018 – Introdução ao Livro de Provérbios – A aliança aplicada no cotidiano

Introdução ao Livro de Provérbios – A aliança aplicada no cotidiano

O povo hebreu era regido pelo código da Aliança. Embora o livro de Provérbios não cite claramente este tema, isso fica evidente na maneira como o autor aplica os fundamentos da fé em uma grande variedade de situações do dia a dia do israelita. O livro de Provérbios se aplica como um comentário estendido das leis as aliança, cuja ênfase era o amor (Lv. 19:18; Dt. 6:5).

A lei da aliança exigia obediência irrestrita aos seus termos, e Provérbios chama esta obediência de “o temor do Senhor” (Pv. 1:7; 2:5; 9:10). O livro de Provérbios destaca a reverência, a gratidão e o compromisso com Javé nas atitudes corriqueiras do povo hebreu.

O sábio, no antigo oriente médio, e também na sociedade israelita, junto com o Rei, sacerdotes e profetas, formava a corte real. O livro de Provérbios representa o legado destes sábios, produzido pela observação e reflexão das coisas simples da vida.

O termo hebraico para provérbio (מָשַׁלMashal) significa, entre outros conceitos, comparação, código de conduta ou descoberta da verdade.

Salomão é tido como o grande autor do livro de Provérbios e isso pode ser atestado pelo relato em I Reis 4:29-34. Ele escreveu por volta de 3 mil provérbios e 1005 cânticos. Porém ele não é o único autor dos adágios que formam o livro de Provérbios, pois são citados também os nomes de Agur e Lemuel. Não se tem muitas informações acerca destes homens, mas é provável que fossem de alguma tribo no norte da Arábia, se traduzirmos o termo massa’ (משא) em Pv. 30:1 como nome próprio do lugar e não como “oráculo”. Esta teoria é plausível, pois reforça a abrangência internacional de Salomão e da sua sabedoria.

A compilação final do livro de Provérbios é datado do século VI a.C., pois o capítulo 25 menciona a edição dos provérbios de Salomão pelos servos do rei Ezequias, que reinou entre os séculos VIII e VII a.C., indicando que o livro não estava pronto neste período.

A composição dos provérbios não sofreram interferência da história hebraica, pois seu valor prático ultrapassa o conceito temporal de história. A função de Israel de ser benção para todas as famílias da Terra dependia de uma liderança obediente à aliança, firmada sobre os pilares da família (ou clã/tribo), a corte real e as escolas de sabedoria. Estes sábios eram os responsáveis por instruírem os jovens a uma conduta de caráter em seu dia a dia.

Os provérbios eram responsáveis também pela manutenção econômico-social da comunidade hebraica, assegurando o direito dos pobres e necessitados (Pv. 31:8-9). Ademais, o rei era desafiado a executar princípios de justiça e integridade (Pv. 20:28; 24:21; 25:2-7).

Estrutura de Provérbios

O livro de Provérbios pode ser dividido da seguinte maneira:

  • Parte I: A sabedoria deve ser a filosofia de vida do discípulo em virtude de sua essência e excelentes resultados –  1:1 – 9:18
  • Parte II: Provérbios de Salomão – 10:1 – 22:16
  • Parte III: Provérbios dos sábios – 22:17 – 24:34
  • Parte IV: Provérbios de Salomão organizados pelos servos de Ezequias – 25:1 – 29:27
  • Parte V: Provérbios de Agur (organizados por Salomão?) – 30:1-33
  • Parte VI: Provérbios do rei Lemuel (organizados por Salomão?) – 31:1-8
  • Parte VII: Personificação dos provérbios na esposa ideal – 31:10-31

Em virtude do livro de Provérbios ser formado por coleções de adágios ao longo de três séculos, não é possível dividir seu conteúdo de forma sistemática. Contudo, podemos identificar ao menos três grandes blocos em Provérbios:

  • Os discursos de sabedoria – 1 a 9
  • Coleções de provérbios (Salomão e sábios) – 10 a 29
  • Apêndice de provérbios de Massá – 30 a 31

A introdução em 1:1-7 serve de chave interpretativa para todo o livro de Provérbios, pois apresenta o objetivo dos ensinamentos contidos em toda compilação. Os discursos, em geral, desenvolvem o tema apresentado na Introdução. Quem deseja a verdadeira sabedoria deve temer a Deus, que está implicitamente relacionada com a aliança de Javé com Israel (6:16-19). Estes discursos utilizam figuras de comparação da conduta do sábio  com o destino dos ímpios (4:10-19).

As coleções de provérbios explicam como Javé forma a conduta do justo, ou sábio,  a partir de uma exposição da Torá aplicada no cotidiano.

Os apêndices ao fim do livro (capítulos 30 e 31) repetem alguns temas tratados anteriormente e apresenta os resultados do temor do Senhor de forma prática ao mostrar o exemplo da esposa ideal. Além disso, estes adágios apresentam a dimensão social da sabedoria ao destacar o direito dos pobres e marginalizados (31:8-9).

Com relação à forma dos provérbios são elaborados em sua maioria com dois e quatro versos alternando entre as figuras de linguagem comparativa e de oposição, especialmente nas coleções de provérbios (10 a 29). A forma de provérbios numéricos é encontrada na seção 30:18-28 e o livro termina com um poema em forma de acróstico alfabético em 31:10-31.

Propósito e conteúdo

Com relação ao seu conteúdo, o livro de Provérbios trata dos seguintes temas:

  • A sabedoria vem do temor do Senhor
  • Os provérbios instruem acerca de preceitos básicos da vida e não se constituem em promessas
  • O caminho da sabedoria conduz à vida

O livro de Provérbios transmite a ideia de que a sabedoria é mais valiosa do que os tesouros da Terra.  E, justamente por esta razão, ela deve ser absorvida pelos ensinos dos mais velhos e dos pais (Pv. 1:8-9). Portanto, a sabedoria se torna hereditária (Pv. 4:1-9). A essência de Provérbios é o desejo de aplicar o “temor do Senhor”, fruto da Aliança, ao dia a dia.

A introdução ao livro de Provérbios expõe, em linhas gerais, seus objetivos conforme quadro abaixo:

Compreensão da sabedoria 1:2
Recebimento da instrução sobre sensatez, integridade, justiça e equidade 1:3
Ajuda ao humilde na obtenção de prudência e ao jovem conhecimento 1:4
Ampliação do aprendizado e habilidade no entendimento 1:5
Entendimento dos provérbios, parábolas e enigmas 1:6
Aprendizado do temor do Senhor 1:7

O temor do Senhor é a submissão reverente aos mandamentos da Aliança ao construir o relacionamento de obediência no dia a dia por meio da conduta e do pensamento corretos.

O temor do Senhor

O livro de Provérbios compara o temor do Senhor com o conhecimento de Deus (Pv. 2:5-6) e o conhecimento de Deus, no Antigo Testamento está aliado ao relacionamento com Javé, o Deus da Aliança (Os. 6:1-3). Apenas aqueles que se relacionam com Javé, por meio da lealdade à Aliança, encontrarão os tesouros da sabedoria.

A ideia de “temor do Senhor” impede que a fé se torne um sistema mecânico de causa e efeito, onde as pessoas simplificam as complexidades da vida dando respostas decoradas a perguntas difíceis. O temor do Senhor preserva o caráter incompreensível de Deus e o mistério profundo da vida.

O principio da retribuição: Terceira Parte

No livro de Provérbios a espera pela recompensa está associada ao indivíduo hebreu que teme ao Senhor. Os benefícios ao andar pela trilha da sabedoria incluem:

  • A lealdade à Aliança no relacionamento diário com Javé é o padrão de vida.
  • A prática da justiça e do direito com o próximo como efeitos do caminhar pela trilha da sabedoria.

O padrão de obediência ao trilhar o caminho da sabedoria leva em consideração o pecado humano e a desonestidade do mundo. É importante ressaltar que os adágios de Provérbios não são promessas, mas se tratam de princípios gerais baseados na experiência humana.

O livro de Provérbios também trata do desenvolvimento do caráter ao trilhar o caminho da sabedoria, que é mais vantajoso do que a prosperidade material. Qualidades como prudência, bom senso, boa conduta, justiça e integridade são traduções mais apropriadas do que “prosperidade”, pois o texto original traz a ideia de bem-estar ao invés de progresso material.

A sexualidade humana

O relacionamento entre homem e mulher, e suas complexidades, também é um tema  no livro de Provérbios. Por esta razão, os sábios hebreus exaltavam o casamento monogâmico e informam sobre os perigos de uma vida desregrada sexualmente.

A tabela abaixo demonstra os princípios bíblicos para o relacionamento homem- mulher:

A instrução da sabedoria como antídoto contra o pecado sexual 2:16
O amor erótico dentro dos limites conjugais 5:15-23; 18:22
A disciplina dos olhos e boca para evitar a tentação 5:1-6; 7:21-23
O ciúme que brota do adultério 6:20-35
O perigo do ócio 7:6-9
A educação sexual na família 7:1-5, 24-27
A sutileza dos pecados sexuais 23:26-28
A racionalização dos pecados sexuais e o endurecimento do coração 7:14-20; 30:20
A escolha do cônjuge pelos padrões de caráter e não da aparência física 31:10-31
A prevenção das discussões e comunicação aberta entre os cônjuges 19:13; 27:15

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017 – Introdução ao Livro dos Salmos – Canta Israel

Introdução ao Livro dos Salmos – Canta Israel

 

Salmos é um dos livros mais apreciados pelos cristãos. Quem nunca encontrou conforto e consolo em tempos de necessidade em suas páginas? Porém, sua autoria, teologia, interpretação e aplicação são temas que geram muitos debates que o tornam um dos livros mais complexos do cânon.

Com relação à sua composição temos que distinguir dois aspectos:

  • a autoria de um Salmo específico
  • a composição do livro todo

Alguns Salmos parecem ser datados do segundo milênio  a.C. enquanto outros foram produzidos no período pós-exílico. Porém, a composição do livro de modo completo ocorreu apenas no período pós-exílico, isto é, após o ano 539 a.C.

A autoria de cada um dos Salmos é deduzida a partir do seu título. Apenas 34 Salmos não possuem título. Dentro do grupo de Salmos que possuem título 100 apontam seu autor. Dos 100 títulos que indicam o autor 73 são atribuídos a Davi. Outros autores são: Moisés – Salmo 90; Salomão – Salmos 72, 127; Asafe – Salmos 50, 73, 83; Hemã – Salmo 88; Etã – Salmo 89; Filhos de Coré – Salmos 42, 44 a 49, 84, 85, 87.

O nome Salmos vem do grego Psalmoi, derivado da palavra psallo, que significa dedilhar, aludindo a um instrumento de cordas. Em hebraico o livro recebe o nome de Tehillîm, que significa cânticos de louvor.

Os salmos estão organizados em cinco grandes livros, a saber:

  • Livro I: 1 a 41
  • Livro II: 42 a 72
  • Livro III: 73 a 89
  • Livro IV: 90 a 106
  • Livro V: 107 a 150

Esta divisão está contida nos manuscritos mais antigos, porém os estudiosos têm descoberto pequenas coleções de Salmos:

  • Coleção davídica I: 3 a 41
  • Coleção dos filhos de Coré I: 42 a 49
  • Coleção davídica II: 51 a 65
  • Coleção de Asafe: 73 a 83
  • Coleção dos filhos de Coré: II: 84 a 88 (exceto o 86)
  • Coleção de louvor congregacional I: 95 a 100
  • Coleção Aleluia: 111 a 117
  • Coleção Salmos dos Degraus (subida a Jerusalém): 120 a 134
  • Coleção davídica III: 138 a 145
  • Coleção de louvor congregacional II: 146 a 150

Estas coleções menores foram organizadas nos cinco livros vistos acima para compor o livro completo dos Salmos. Alguns especulam que o organizador realizou este trabalho para destacar a transição de um livro para outro para o leitor entender o assunto principal de um livro. Nesta organização os Salmos 1 e 2 formam a introdução do livro. Cada um dos livros que compõem os Salmos termina com uma doxologia, cujo propósito é dar louvor a Javé pelo que foi revelado sobre si em cada livro. Observe o padrão que se repete em Sl. 41:13; 72:18ss; 89:52; 106:48 e 150, que serve como fechamento geral da composição dos Salmos.

O livro de Salmos, segundo os estudiosos, pode seguir o mesmo conceito aplicado no livro dos Reis, isto é, alguém coleta e organiza materiais de diversas fontes de acordo com um propósito teológico, desta forma a mensagem geral do livro transcende a mensagem particular de cada Salmo.

Estudos comprovam que o livro de Salmos não foi completado de uma vez, pois suas partes I a III, encontradas nos manuscritos do Mar Morto (cerca de 150 a.C.), estão dispostas na mesma ordem que conhecemos hoje. Entretanto, os livros IV e V estão dispostos em outra ordem, o que pode significar que os livros I a III já estavam com sua ordem definida no fim do século II a.C., enquanto que os livros IV e V ainda estavam em processo de organização, concluído plenamente pouco antes do período de Cristo. Portanto, ao longo de quase mil anos, vários escritores compuseram suas poesias que foram organizadas em pequenas coleções em diferentes períodos da história com um propósito teológico.

Com relação à forma os Salmos podem ser classificados em: louvor, lamento e sabedoria. Cada Salmo possui uma única forma, exceto o Salmo 22, onde os versos 1 a 21 são de lamento e os versos 22 a 31 são de louvor.

Os Salmos não eram exclusivos do povo hebreu, pois os povos mesopotâmicos também se utilizavam deste recurso literário para expressar suas emoções à divindade. A semelhança dos Salmos hebraicos com os mesopotâmicos se encontra na forma dos Salmos: o louvor e o lamento. Contudo existem diferenças consideráveis entre os Salmos hebraicos e mesopotâmicos, e uma delas é a abordagem do adorador mesopotâmico. Os Salmos de lamento mesopotâmicos tem a intenção de manipular a divindade, e para isto recorre a rituais de magia, pois entende que é culpado em todas as situações, mesmo que não saiba a razão. Como entende que a divindade mesopotâmica não seja justa e coerente o adorador apenas se propõe a aplacar a ira divina.

O adorador hebreu pressupõe sua inocência e não tenta manipular a Deus com rituais de magia e encantamentos. Quando os Salmos indicam claramente a culpa do autor, como é o caso do Salmo 51, a ofensa a Deus é sempre de caráter ético, enquanto o lamento mesopotâmico é relativo ao sacrifício impróprio no culto.

Estrutura de Salmos

 

Seguindo a teoria da organização teológica do livro dos Salmos, a seguinte estrutura é proposta:

Introdução                      Salmo 1 – No final Deus justifica os justosSalmos 1 e 2                  Salmo 2 – Escolha e proteção divina do rei israelita
Livro Transição Tema Conteúdo
Livro 1 Salmo 41 Conflito entre Davi e Saul Muitos lamentos individuais; a maioria dos salmos menciona inimigos
Livro 2 Salmo 72 Dinastia de Davi Salmos principais:45, 48, 51, 54 a 64; em geral , salmos de lamento e “inimigos”.
Livro 3 Salmo 89 Crise assíria do século VIII Coleções de Asafe e dos filhos de Coré; salmo principal:78
Livro 4 Salmo 106 Introspecção sobre a destruição do templo e o exílio Coleção de louvor: 95 a 100; salmos principais: 90, 103 a 105.
Livro 5 Salmo 145 Louvor/reflexão sobre o retorno do exílio e início de nova era Coleção de aleluia: 111 a 117; cânticos de subida: 120 a 134; repetição davídica: 138 a 145; salmos principais: 107, 110, 119.
Conclusão: 146 a 150 – Louvor culminante a Deus.

HILL, Andrew & WALTON, J. H. Panorama do Antigo Testamento. São Paulo: Vida, 2007. p. 379.

  • I. Introdução – 1 e 2
  • II. Conflito de Davi com Saul – 3 a 41
  • III. Reinado de Davi – 42 a 72
  • IV. Crise assíria – 73 a 89
  • V. Introspecção sobre a destruição do templo e o exílio – 90 a 106
  • VI. Louvor e reflexão sobre o retorno e a nova era – 107 a 145
  • VII. Louvor final – 146 a 150

O livro de Salmos segue o padrão interpretativo da história narrada no livro de Reis e Crônicas, e sua organização não foi feita levando-se em consideração as circunstâncias na data de composição, mas de acordo com o propósito teológico da coleção. Por exemplo, os salmos 138 a 145 são davídicos, porém estão organizados na divisão pós-exílica do Livro dos Salmos. Ainda outros Salmos estão dispostos de forma a atingir o objetivo teológico do organizador, tais como:

  • 45 – Hino da coroação de Davi
  • 48 – Relação com a conquista de Jerusalém por Davi
  • 51 – Arrependimento de Davi
  • 78 – Reflexão sobre a queda do Reino do Norte
  • 90 – Salmo de Moisés no início da divisão exílica
  • 103 – Debate sobre o perdão de Deus dos pecados da Nação
  • 110 – Soberania divina com ênfase escatológica
  • 119 – Relação com a Lei como ênfase no período pós-exílico

Outro exemplo da organização de acordo com o objetivo teológico é a coleção Aleluia (Salmos 111 a 117) que segue o Salmo 110 com os temas da fidelidade e governo divinos. A coleção Cântico dos Degraus (Salmos 120 a 134) remete à peregrinação de todo hebreu a Jerusalém. Esta coleção faz parte da seção do exílio no livro de Salmos, portanto os leitores refletiriam sobre o retorno a Jerusalém após o cativeiro babilônico.

De modo geral, de acordo com esta teoria, podemos explicar as coleções do Livro de Salmos da seguinte maneira:

Livro I
  • Mencionam lamentos e inimigos
  • Autor clama pela ajuda de Deus
  • Salmos 3 a 13 – relacionados com I Samuel 19 a 23 – Conflitos de Davi com Saul
  • Salmo 18 – relacionado com I Samuel 24 – Davi poupa a Saul e este interrompe a perseguição
  • Salmos 23 e 24 – relacionados com I Samuel 25 – Davi tem suas necessidades supridas pela sabedoria de Abigail
Livro II
  • Relacionados com o reinado de Davi narrado em II Samuel
  • Lamento dos Salmos 54 a 64 relacionados ao conflito de Davi com seu filho Absalão
Livro III
  • Pode remeter ao conflito do Reino do Norte com a Assíria
  • Salmo 78 – Possível ligação com a Queda de Samaria (Reino do Norte)
  • Salmo 89 apresenta uma crise com sua possível solução
Livro IV
  • Começa com Salmo de Moisés (90)
  • Termina com a recapitulação da rebelião (106)
  • Aponta para esperança e restauração
  • Coleção de Salmos de louvor (95 a 100)
  • Afirmações de esperança e fé mantidas no exílio
  • Destacam a fidelidade de Javé, livramento, julgamento das nações e soberania de Javé
  • Termina com uma coleção sobre o poder e misericórdia de Javé (104 a 106)
Livro V
  • Gratidão dos israelitas por reuni-los após o exílio
  • A lei como fundamento da comunidade pós-exílica

Propósito e conteúdo

Com relação ao conteúdo, o livro de Salmos aborda os seguintes temas:

  • Reconhecimento da soberania de Deus
  • As formas variadas de louvor em todas as situações
  • Vindicação dos justos e castigo dos ímpios
  • A natureza e a criação de Javé
  • O consolo de misericórdia de Javé em tempos de crise

O propósito de Salmos não está relacionado tanto com cada autor, pois cada um tinha suas razões e motivos para compor sua poesia. Antes está relacionado com a sua organização final, que tinha como objetivo mostrar a historia de Israel sob a perspectiva da aliança de Javé com o povo hebreu.

O principio da retribuição: Segunda Parte

O princípio da retribuição pode ser declarado em duas sentenças:

  1. O justo prosperará e o ímpio será castigado com sofrimento
  2. Os que prosperam são justos e os que sofrem são ímpios

A primeira sentença é confirmada em todo o livro dos Salmos, porém a exceção à esta regra também é ensinada. A segunda sentença, embora não receba apoio bíblico, era senso comum entre os israelitas, pois entendia-se que, se Deus é justo como pode um justo sofrer ou um ímpio prosperar? Esta era uma questão muito delicada para o israelita no Antigo Testamento, pois não havia o conceito escatológico da esperança do céu.

Nos salmos de lamento o autor se queixa da prosperidade dos ímpios e pede que Deus humilhe seus inimigos. Embora o salmista não se considere plenamente justo, ele se considera mais justo do que aquele que não temia a Javé. Por isso existem muitos salmos chamados imprecatórios (3, 28, 58, 109, 137). Nestes salmos vemos como o autor entendia o modo de Deus agir, pois, para que a justiça de Deus se confirmasse, o ímpio deveria ser castigado. Posto de outra forma, o pedido de castigo para o ímpio era a forma do salmista declarar o pecado daqueles que não andavam conforme a lei de Javé.

O livro de Salmos mostra que os justos podem esperar uma retribuição de Deus por sua justiça, mas em nenhum lugar está mencionado que não haviam exceções a esta regra. A vida nem sempre é simples e a Bíblia não apresenta uma regra de justiça que sempre funciona em todos os casos.

Reino

 

Nove salmos mencionam especificamente o rei: 2, 18, 21, 45, 72, 89, 110, 132, 144. Destes nove, quatro falam sobre Davi. Estes salmos são frequentemente considerados messiânicos, isto é, sinalizam o reino eterno de um rei ideal da linhagem davídica. Porém, estes salmos também podem se aplicar a qualquer rei, pois citam o livramento, vitória e bênção para o rei que confia em Deus e segue os padrões estabelecidos pela aliança. Este padrão foi verificado nos reis da dinastia davídica que confiaram no Senhor, conforme relatado no livro dos Reis. O Messias, em comparação com estes reis, seria perfeitamente justo e desfrutaria de todas as bênçãos de Deus no seu reinado.

Criação

 

O povo hebreu era basicamente agrícola, e por isso dependia muito das condições climáticas para assegurar sua produção de alimentos. As bênçãos e maldições de Javé estavam ligadas à terra, que fazia parte da aliança. Os deuses dos povos pagãos estavam ligados ao clima e era necessário que o Deus dos hebreus estivesse fora desta regra teológica. Javé não estava preso às forças da natureza, por isso, nos salmos que tratam sobre a criação (8, 19, 29, 65, 104) Deus sustenta toda a criação (104), que revela a glória de Deus (19). As forças da natureza são instrumentos de Deus (29, 65) e por isso ele é glorificado acima da natureza, algo não possível nos sistemas religiosos dos antigos povos pagãos.

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016 – Introdução ao Livro de Jó – Haja paciência

Introdução ao Livro de Jó – Haja paciência.

 

O livro de Jó, traduz para a vida prática uma das mais antigas perguntas filosóficas da humanidade: Por que sofremos? A busca racional pela compreensão do sofrimento na vida do ser humano não sofreu modificações nos últimos 5 mil anos e, além disso, tem sido um dos pilares sobre os quais os teólogos desenvolvem seus pensamentos.

O livro de Jó modifica a visão que temos da soberania divina, da arrogância humana quando não sabe o quadro completo da situação e da perspectiva bíblica do sofrimento.

É possível que haja um trocadilho do nome do personagem principal do livro (‘iyyôb no original hebraico) com o lamento de Jó em ser “inimigo” (‘ôyeb em hebraico) de Deus (Jo 13:24).

Se o livro de Jó é classificado como literatura de sabedoria é possível, segundo os estudiosos, que os diálogos não tenham sido citações literais, mas um ambiente criado para explicar as razões do sofrimento humano e a soberania divina na história.

Apesar de não haver um consenso sobre a data dos acontecimentos, a narrativa de Jó é uma das mais antigas do Oriente Médio pelos seguintes fatores:

  • A forma literária do prólogo – 1:1 – 2:13
  • A forma literária do epílogo – 42:7-17
  • Não há menção de santuário ou sacerdócio – Jó executava seu próprio sacrifício (1:5)
  • As posses de Jó são medidas por bois, ovelhas, jumentos e servos (1:3; compare com Gn. 12:16 e Gn. 32:5)
  • Sua terra era ameaçada por ataques de tribos nômades – 1:15-17
  • Não há menção da Lei ou da Aliança
  • Deus não é mencionado como Javé, El Shaddai é mais frequente

Embora a narrativa do livro seja contemporânea ao período dos patriarcas (ver semelhanças com Gênesis), a maioria dos estudiosos concordam que a composição do livro tenha sido por volta do século VII, ou seja, antes do exílio babilônico, durante a monarquia dividida. Isto não representa um problema, pois a mensagem do livro de Jó ultrapassada as barreiras do tempo.

Estrutura de Jó

 

O livro, embora esteja incluído na seção dos poéticos, possui diversas formas literárias:

  • Diálogos – Caps. 4 a 27
  • Monólogo – Cap. 3
  • Discursos – Caps. 29 a 41
  • Narrativas – Caps. 1 e 2
  • Hino – Cap. 28

O livro de Jó pode ser dividido da seguinte forma:

  • Prólogo (prosa) – 1 – 2
  • Discursos (poesia) – 3 – 42:6
    • Diálogo – 3 – 28

●        Lamento de Jó – 3

●        Diálogo entre Jó e seus amigos – 4 – 27

●        Poema da sabedoria – 28

  • Monólogo 29 – 42:6

●        Jó se diz inocente – 29 – 31

●        Discurso de Eliú – 32 – 37

●        Discursos de Javé – 38 – 42:6

  • Epílogo (prosa) – 42:7-17

O livro de Jó é estruturado para que o leitor conheça os personagens e alguns detalhes que eles mesmos desconhecem, como por exemplo, o desafio de Satanás a Javé. Desta forma, o leitor sabe de antemão que os amigos de Jó estão equivocados a seu respeito.

O lamento de Jó no capítulo 3 dá início ao ciclo de diálogos que vai do Cap. 4 ao 27. Nestes diálogos os amigos de Jó tornam-se cada vez mais contrários a ele, e, embora a teologia desses amigos não esteja incorreta, é fato que seu papel como consolador fica muito aquém do esperado. A teologia tradicional da época dizia que o justo prospera e o ímpio sofre. Este é a chamada  Justiça Retirbutiva, muito afirmada nos livros de Salmos e Provérbios. Os amigos de Jó utilizam-se da dedução deste princípio para o acusarem.

Jó afirma que este Princípio pode ter sua exceção, com a prosperidade do ímpio e o sofrimento do justo, mas desconfia da justiça divina e passa a colocar Deus no banco dos réus. As respostas dos amigos de Jó apresentam a filosofia da época, isto é, desistir de entender a vida e confessar crimes não cometidos para acalmar a divindade. O trecho de 27:1-6 mostra que a integridade de Jó se manteve justamente por se recusar a fazer isso. Ao agir desta maneira Jó recusou o tratamento que outros povos davam às divindades pagãs, que faziam falsas confissões para obter favores e bençãos.

O diálogo é quebrado pelo hino à Sabedoria no capítulo 28, que sugere que a verdadeira sabedoria ainda não se manigestou. Este hino mostra Deus como criador da Sabedoria  e ensina que a sabedoria humana só pode vir do temor do Senhor. Isso introduz o trecho dos discursos, ou monólogos e indica a conclusão do dilema.

O primeiro discurso apresenta o lamento de Jó ao recordar sua antiga posição e ver sua situação atual. O juramento que ele faz tem a intenção de forçar Deus a agir, isto é, se ele for culpado de qualquer coisa citada no juramento Deus deveria executar seu juízo contra ele, portanto o silêncio de Deus serviria com sua justificação.

O segundo discurso mantém o suspense em relação à resposta de Deus a Jó. Aqui Eliú expoe de forma mais filosófica a questão do sofrimento humano, que pode, além de punitivo, ser preventivo, isto é, Deus, por meio do sofrimento, fazia Jó manter-se no caminho correto. Desta forma, o sofrimento pode ser uma maneira de Deus demonstrar sua misericórdia.

O terceiro discurso, quando Deus toma a palavra, é caracterizado pela ausência das respostas esperadas. Desconsidera a queixa de Jó, e não responde ao juramento de inocência. Deus muda o rumo do discurso de sua justiça para sua sabedoria, pois Deus é responsável pela criação do mundo e sua sustentação soberana. Deus diz que o mundo não foi criado pelo principio da retribuição (38:26), inclusive desafia Jó a criar um mundo com este princípio como fundamento (40:10-14). A conclusão é que as causas do sofrimento não são coerentes e ninguém é sábio o suficiente para questionar a justiça divina.

No epílogo a prosperidade de Jó não se dá de forma gratuita, mas é uma resposta a Satanás de que Deus continuará intervindo em favor do justo. Os amigos de Jó são repreendidos, não por se posicionarem contra Jó, mas por não falar corretamente a respeito de Deus (42:7-8). Mesmo tendo sua vida restaurada, Jó não tem a explicação do seu sofrimento, pois, para o livro o mais importante não é o motivo do sofrimento, mas as ações e os procedimentos de Deus. Para o leitor, Jó não é culpado de nada, e foi justificado não por causa do seu sofrimento, mas pela demonstração de grande sabedoria.

Propósito e conteúdo

O livro de Jó trata  dos seguintes princípios:

  • Não são apenas os ímpios que sofrem
  • A justiça pode ser conhecida por meio da sabedoria de Deus
  • A justiça de Deus vai além de sentenças simples como o princípio da retribuição

O propósito do livro de Jó é analisar o tratamento que Deus dá aos justos e ímpios. De acordo com o desafio de Satanás, as bençãos não produzem verdadeiros justos, pois esses só são íntegros por causa das recompensas que recebem, ou seja, não existe amor à integridade por si mesma. Outro aspecto é o julgamento que Jó faz de Deus ao permitir que o justo sofra, isto é, o procedimento de Deus está sendo criticado.

Para cumprir este propósito o livro descarta a tentativa de manipulação da divindade dos antigos povos pagãos do Oriente Médio e a filosofia rasa dos amigos de Jó. Uma vez que o leitor estava ciente da inocência de Jó desde o início não importa muito o fato de Deus te-lo inocentado. O importante é que Jó manteve sua integridade para com Deus, mesmo quando não foi abençoado por isso.

A mensagem do livro é que Deus não está obrigado a abençoar o justo, mas a justiça divina é deduzida de sua sabedoria, que está além de todo conhecimento humano.

O principio da retribuição: Primeira Parte

 

O princípio da retribuição foi o fundamento para os debates e diálogos na história de Jó. Era um sistema de pensamento muito simplificado que determinava que o justo sempre prosperaria e o ímpio sempre sofreria.

Este sistema de pensamento dominava a cultura israelita, mas na prática, a teoria era outra. Basta lermos os primeiros versos do Salmo 37 para verificarmos que nem sempre este sistema de pensamento funcionava adequadamente. Para o israelita isso era particularmente embaraçoso, pois, se havia um único Deus soberano, toda justiça, bem como todo sofrimento, só poderia vir dele. Além disso, Deus era plenamente justo, portanto o sofrimento deveria ter uma explicação lógica e válida. E Deus, sendo plenamente justo, o sofrimento deveria ser proporcional à injustiça do homem, e a prosperidade proporcional à sua virtude.

No livro de Jó todos os personagens vivem sob este sistema e não há outra maneira de viver. O livro de Jó pretende mostrar que a conclusão absolutamente certa do princípio da retribuição está equivocado, pois não é possível saber com exatidão quando acontecerá. Portanto, a conclusão de que o justo sempre prosperará e o ímpio sempre sofrerá deve ser rejeitada.

O princípio da retribuição deve ser entendido a partir de Deus e não do homem. A Teologia do Antigo Testamento afirma inúmeras vezes que Deus fará prosperar o justo e punirá o ímpio, entretanto este princípio não deve ser usado para exigir a ação imediata de Deus, e nem deve ser usada como fundamento para entender o sucesso ou sofrimento individuais. Nosso consolo está fundamentado na soberania e sabedoria de Deus.

A soberania de Deus, sua justiça e sabedoria

 

Na literatura de sabedoria em geral, e também no livro de Jó, a sabedoria, justiça e soberania de Deus são amplamente discutidas. Embora o livro de Jó não esteja intimamente ligado com a Aliança podemos estabelecer um paralelo com os conceitos teológicos da Aliança já apresentados em outras ocasiões tais como: a lealdade, a compaixão e a bondade (Êx. 34:6; Jl. 2:13; Jn. 4:2; Ne. 9:17; Sl. 86:15; 103:8; 145:8).

O livro de Jó nos mostra que a onisciência de Deus é apenas uma parte de sua sabedoria infinita, a onipotência é somente um aspecto de sua soberania ilimitada e a misericórdia é entendida como a sua justiça. Estas categorias maiores nos ajudam a entender quem Deus é, do que somente aquilo que ele pode fazer por alguém.

O mediador

 

Em vários momentos do livro, Jó parece crer na intervenção de um advogado, um redentor (5:1; 9:33; 16:18-22; 19:25-27; 33:23). Alguns acreditam que se trata da crença na ressurreição, outros entendem que Jó terá a justiça aplicada após a morte, e outros ainda creem que se trata de uma previsão messiânica.

Independente das variadas posições, o papel do mediador parece claro. A maioria cre que Jó espera pelo próprio Deus, porém, algumas definições parecem apontar para algum parente distante que viria ajudá-lo (tal qual o remidor estudado em Rute).

Entretanto, o tema do redentor aparece somente nos diálogos, e parece não ter um papel fundamental no fim da trama, quando Jó, diante da sabedoria de Deus tem a necessidade de um redentor eliminada diante da restauração que Deus promovera.

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015 – Introdução à literatura poética e sapiencial hebraica

Introdução à literatura poética e sapiencial hebraica

 

Determinar a forma poética na literatura hebraica não é uma tarefa simples. Ao contrário da poesia da língua portuguesa, caracterizada pelas rimas, separação em versos, pontuação própria e linguagem metafórica, a poesia hebraica não tem pontuação, métrica ou ritmo que a distinga da prosa.

Ainda hoje há muita pesquisa em torno das características literárias da poesia hebraica, portanto podemos esperar novidades sobre os métodos de interpretação deste gênero literário que ocupa grande parte das páginas da Bíblia.

Livros como Salmos, Provérbios, Cântico dos cânticos e Lamentações de Jeremias são completamente poéticos quanto à sua forma literária. Grande parte de Jó e Eclesiastes são poéticos. Gênesis, Êxodo, Números, Deuteronômio, Juízes e Samuel contêm muitos trechos poéticos, principalmente os cânticos de vitórias sobre os inimigos dos israelitas.

Alguns livros proféticos, apesar do seu conteúdo exortativo, são produzidos, quanto à forma, de maneira poética. À exceção do cabeçalho e título, Obadias, Miquéias, Naum, Habacuque e Sofonias estão estruturados desta forma. Apenas os livros de Rute, Esdras, Neemias, Ester, Ageu e Malaquias não contém nenhum trecho poético.

Apesar dos livros de sabedoria estarem na forma poética, eles são classificados de forma independente, pois os antigo hebreus consideravam sabedoria como observações cotidianas que formavam um conjunto de boas práticas para a vida.

A literatura sapiencial buscava, por meio de ditados curtos, regras da felicidade e bem-estar pessoal, além da especulação em torno da existência humana e seus problemas.

Classificamos os livros de Provérbios e Cântico dos Cânticos no primeiro grupo e os livros de Jó e Eclesiastes no segundo grupo. Alguns Salmos (1, 37, 49, 112) podem ser considerados como sabedoria especulativa e educacional bem como trechos de livros proféticos tais como: Is. 40:12-17; 21-26; Am. 3:10; 5:4,6,14.

Poesia e sabedoria no Antigo Oriente Próximo

 

Os hebreus herdaram dos povos vizinhos uma rica tradição na literatura de sabedoria e poética. Os escritos poéticos dos povos mesopotâmicos e egípcio são muito mais antigos do que os hebraicos. A literatura poética egípcia aparece por volta de 3200 a.C. e a Mesopotâmia possui registros sapienciais muito antes da época de Abraão. A poesia e literatura sapiencial hebraica tem início por volta dos séculos XIII ou XII a.C.

A influência da literatura mesopotâmica e egípcia nos escritos poéticos e sapienciais hebraicos é reconhecida por eruditos de todas as vertentes teológicas. O quadro abaixo demonstra as semelhanças entre o hino do Sol de Aquenaton e o Salmo 104:

Hino de Aquenaton Salmo 104:25-26
Os navios rumam para o norte e também para o sul,Pois todos os caminhos se abrem com tua manifestação.Portanto, os peixes do rio fogem diante de tua face,

Teus raios estão no meio do grande mar verde.

Eis o mar, imenso e vasto e nele vivem inúmeras criaturas, seres vivos, pequenos e grandes.Nele passam os navios, e também o Leviatã, que formaste para com ele brincar.

HILL, WALTON. Panorama do Antigo Testamento. p. 337.

 

Outras semelhanças se observam na literatura suméria antiga (1900 – 1600 a.C.) em seus hinos e orações poéticas:

Por ignorância comi o que era proibido por meu deus,

Por ignorância pisei o que era protegido por minha deusa.

 

Mesmo as narrativas de fatos mais antigos, como a Criação e o Dilúvio, tem seus pares na literatura babilônica tal qual o Enuma Elish e o épico Gilgamés respectivamente.

Ademais, a literatura poética cananéia, anterior à hebraica, possuia cabeçalho, subtítulo e também anotações musicais. Portanto conclui-se que a poesia hebraica também herdou elementos cananeus em sua estrutura literária.

Inclusive podemos perceber nos textos hebraicos elogios à tradição poética do Antigo Oriente Próximo:

  • Egípcios – Êx. 7:22; 1 Rs. 4:30
  • Edomitas e árabes – Jr. 49:7; Ob. 8
  • Babilônios – Is. 47:10; Dn. 1:4

Percebemos na literatura sapiencial do Antigo Oriente Próximo um grande interesse em temas existenciais, tais como:

  • Sentido da vida
  • Mistério da vida e morte
  • Realidade do sofrimento, dor, injustiça e mal

Estes interesses em comum levaram ao intercâmbio das estruturas literárias entre os povos que viviam nessa região. Porém, contrariamente aos demais povos que adoravam outros deuses a literatura de sabedoria hebraica incluia os seguintes elementos em seus textos:

  • Negação de outros deuses e reconhecimento apenas de Javé (Pv. 22:17-19)
  • Negação do materialismo (a matéria era criação divina)
  • Negação do panteísmo (pois Javé estava acima da Criação)
  • Negação do dualismo (a criação de Deus era boa no início)

Estrutura literária da poesia hebraica

 

1. Estrutura de pensamento:

Paralelismo de palavras 1. Sinônimos:Salmos 24:2 – pois foi ele quem fundiu-a sobre os marese firmou-a sobre as águas.

2. Opostos:

Salmos 37:16 – Melhor é o pouco do justo

do que a riqueza de muitos ímpios.

Paralelismo de sequência lógica 1. Causa e efeito:Salmos 37:4 – Deleite-se no Senhore ele atenderá os desejos do seu coração.

2. Explicação:

Salmos 5:10b – Expulsa-os por causa dos seus muitos crimes

pois se rebelaram contra ti.

2. Sonoridade da poesia hebriaca

Acróstico As letras iniciais de cada verso começam com cada uma das letras do alfabeto hebraico. O Antigo Testamento contém treze poemas acrósticos:

  • Salmos 9, 10, 25, 34, 37, 111, 112, 119, 145
  • Provérbios 31:10-31
  • Lamentações 1 a 4

Este método servia de instrumento de fácil memorização na antiguidade.

Uniformidade sonora A poesia se utiliza de palavras com sons semelhantes para expressar uma idéia completa. A tradução não consegue transpor este obstáculo literárioTransliteração: sha‘lû shelôm yerûshalayimTradução: Orem pela paz de Jerusalém
Jogo de palavras (trocadilhos) Os escritores bíblicos se aproveitam de palavras com som parecido, mas sentidos diferentes e até opostos.Amós viu um cesto de frutas (qayits) e anunciou o fim (qets) da nação de Israel. Am. 8:2Jacó previu que Judá (yehûdâ) seria louvado (yôdukâ). Gn. 49:8

Isaías concluiu de forma magistral a “canção da vinha” (5:7b)

Ele esperava justiça [mishpat]

Mas houve derramamento de sangue [mispah]

Esperava retidão [tsedaqâ]

Mas ouviu gritos de aflição [tse`aqâ]

Onomatopéia São palavras que imitam os sons e ruídos naturais. A poesia hebriaca usou este recurso literário em Salmos 68:8 para registrar o som do “trovão” (ra’am) e o galopar dos cavalos em Juízes 5:22 (dahaarot dahaarot)

A concepção de sabedoria dos hebreus

 

A sabedoria hebraica, e do oriente em geral, vem da observação da vida e a necessidade de lidar com seus diversos problemas e situações humanas.

A idéia é que a experiência, trazida pelos muitos anos vividos, pode servir de guia para as gerações seguintes. Por isso, grande parte da literatura hebraica é produzida sob a forma de instruções práticas.

Porém, a sabedoria hebraica diferenciava-se das demais por partir do princípio que a sabedoria provém de Deus (Jó 12:13; Pv. 2:5-6; Is. 31:1-2). Esta sabedoria manifestava-se de duas formas na vida dos hebreus:

  • na vida emocional e espiritual – representada pela poesia no Antigo Testamento
  • na vida corporal e prática – representada pela sabedoria no Antigo Testamento

O termo sabedoria também é empregado no Antigo Testamento para habilidades manuais e intelectuais diversas:

  • Bezalel e Oliabe  receberam sabedoria artística para fazerem os utensílios do tabernáculo (Ex. 31:1-11)
  • O trabalho arquitetônico de Salomão também é chamado de sabedoria (1 Rs. 5:9-18)
  • O trabalho manual de artesãos também são classificados de sabedoria (1 Rs. 7:14)
  • O lado filosófico e intelectual, também como sinônimo de “capacidade mental superior”  (1 Rs. 4:29-34)
  • A forma neutra do termo sabedoria na conspiração de Jonadabe e Absalão (2 Sm. 13)
  • Como sinônimo de experiência e bom senso (Jó 32:7; Pv. 1:7)

Forma literária

 

O sábio era um personagem importante no período da monarquia em Israel. Junto com o profeta e o sacerdote compunha a fonte de orientação dos reis (Jr. 18:18; Ez. 7:26)  e faziam parte da corte real (2 Sm. 8:16-18; 20:23-26; 1 Rs. 4:1-6).

Há dois tipos básicos de sabedoria do ponto de vista literário no Antigo Testamento:

  • Sabedoria didática –  o livro de Provérbios é o melhor exemplo, pois representa instruções práticas.
  • Sabedoria filosófica – representada pelo livro de Eclesiastes e em certa medida pelo livro de Jó, pois propõe críticas e reflexões interrogativas e por vezes pessimista.

Quanto ao tipo de discurso podem ter as seguintes variações:

  • Parábola –  um discurso preventivo – Pv. 6:20-35
  • Preceito – regras e valores com princípios religiosos e éticos – Pv. 3:27
  • Enigma – pergunta que exige raciocínio e discernimento – Jz. 14:14
  • Fábula – breve conto com personagens da natureza que contém uma verdade moral – Jz. 9:7-20
  • Provérbio numérico – apresenta progressão numérica com clímax – Pv. 6:16-19; 30:18-31
  • Pergunta retórica – uma pergunta que não necessariamente exige uma resposta – Pv. 5:16; 8:1
  • Alegoria – a personificação da sabedoria, com existência própria – Pv. 8 e 9; Ec. 12:1-8
  • Sátira – uso do sarcasmo para atacar algum comportamento humano – Pv. 11:22
  • Ironia – dizer o contrário do realmente significa para enfatizar uma verdade – Ec. 5:13-17

Conteúdo teológico da sabedoria

 

Teodicéia

 

Os livros de sabedoria enfatizam muitos aspectos corriqueiros do ser humano, porém Eclesiastes e Jó focalizam principamente a teocdicéia, que é o problema do mal no mundo e a ação de Deus diante deste. Alguns temas são:

O sofrimento, pobreza e injustiça social – Jó 21:7-26

A prosperidade dos ímpios – Ec. 8:14-15; 9:11-12

A realidade do mal e da morte – Ec. 9:1-6

A vida após a morte – Ec. 3:16-22

O propósito desta vida – Ec. 4:1-3

Justiça retributiva

 

A justiça retributiva, isto é, recompensas ou castigos divinos de acordo com a obediência ou desobediência do ser humano, é um tema comum nos livros poéticos e de sabedoria no Antigo Testamento.

São baseados em Deuteronômio 28 e fazem parte do tratado da Aliança de javé com o povo hebreu. Este tema será estudado oportunamente nos livros poéticos e de sabedoria do Antigo Testamento (Jó – Salmos – Provérbios – Eclesiastes).

Didática

 

A instrução didática contida nos livros de sabedoria são baseadas na ética da Aliança (Lei, Torá) firmada entre Javé e o povo hebreu. Portanto, principalmente no livro de Provérbios os assuntos tratados abrangem o conteúdo da Lei, tais como: relacionamentos familiares (23:22-25), retribuição e disciplina (3:12; 28:10), amizade (17:17); controle da língua (26:18-28), casamento e adultério (5:1-23), pobres e necessitados (14:21-31), o sábio e o insensato (18:1-16), o diligente e o preguiçoso (26:13-16), embriaguez (23:29-35), vida e morte (13:14), ira (29:22), soberania (20:28), etiqueta (25:2-7), dívidas (11:15), sabedoria (1:7) e o temor do Senhor (2:5-6).

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014 – Introdução ao Livro de Ester – Nos bastidores da aliança

Introdução ao Livro de Ester – Nos bastidores da aliança.

 

O livro de Ester, devido ao seu estilo literário e trama cinematográfica, gerou muitos debates acerca de sua canonização na Bíblia Hebraica.

A narração está ambientada em Susã, capital do Império Persa, e não utiliza em nenhum momento o termo Deus ou Javé. De fato, a história descrita neste livro foi e continua sendo o enredo básico de muitos filmes e séries de televisão em consequência da estrutura de sua narrativa e construção dos personagens. Este livro retrata a jovem estrangeira órfã que se casa com o rei, vítima da manipulação de todos e sempre contrariado por sua rainha. Esta jovem descobre o plano do vilão para matar seu povo e arquiteta um contra golpe para salva-lo. Ao final da trama o vilão morre na própria armadilha que construíra, e seu tutor é elevado ao cargo de grande responsabilidade no reino, tomando o antigo lugar do vilão. Após longo debate sobre sua canonicidade, o livro passou a constar na lista dos livros inspirados divinamente.

Alguns estudiosos consideram esta trama espetacular demais para ser real, muito embora a realidade possa ser, por vezes, muito mais espetacular. A maioria aceita que, embora o livro tenha realmente uma trama novelesca, ele está repleto de elementos históricos, difíceis de negar. Ademais, o livro contém detalhes do sistema administrativo persa, que apenas Mardoqueu e Estar poderiam saber. Outros aspectos administrativos citados são os seguintes:

  • conselho de sete nobres – 1:14
  • sistema postal do império – 3:13; 8:10
  • crença em dias grandiosos – 3:7
  • manutenção de registros reais – 2:23; 6:1

O verso 10:2 deixa bem claro a intenção do livro de Ester, que foi registrar, por meio da bravura de Mardoqueu, o livramento e permenência do povo judeu. Para narrar estes fatos o autor recorreu a registros históricos de fontes extra canônicas, ou seja, mesmo que o livro não tenha intenção de ser um relato histórico per si, ele está baseado em fatos históricos registrados em outras fontes e aponta para a precisão de dados que o autor se preocupou em pesquisar.

Mardoqueu foi um dos nomes cogitados como possíveis autores do livro, entretanto há poucas evidências que sustentem esta posição, por isso a autoria anônima é unanimidade entre os especialistas.

A história narrada no livro se passa na Pérsia durante o século V a.C., portanto durante o exílio babilônico e alguns anos antes da viagem de Esdras e Neemias a Jerusalém. Esta informação nos leva à conclusão de que provavelmente o livro foi escrito num período posterior a esta época. Podemos datar a produção do livro antes século II a.C., devido à análise do hebraico usado em sua escrita.

Estrutura de Ester

 

O livro de Ester pode ser estruturado da seguinte maneira:

  • Ester é feita rainha da Pérsia – 1:1 – 2:20
  • Hamã conspira o extermínio dos judeus – 2:21 – 3:15
  • Ester lidera a defesa do seu povo – 4:1 – 5:8
  • A queda de Hamã – 5:9 – 7:10
  • O triunfo dos judeus sobre seus inimigos – 8:1 – 10:3

Os especialistas em literatura bíblica concordam que o livro está estruturado sob o formato literário de reversão, isto é, a trama evolui no sentido contrário ao esperado e, no seu clímax, há a inversão da situação presente. Este padrão é verificado na exaltação de Mardoqueu, a queda de Hamã e a vitória final dos judeus contra os persas.

O livro de Ester também contém uma dose de ironia. A ironia acontece quando o leitor possui informações que um dos personagens da trama não tem. Este recurso literário é empregado, por exemplo, quando Hamã vai ao palácio do rei pedir permissão para executar Mardoqueu, porém, o rei pede uma opinião sobre um modo de lhe conceder grande honra. Hamã pensa que o rei queria honrá-lo, quando na verdade estava se referindo a Mardoqueu. O recurso da ironia chega ao seu ponto mais elevado quando Hamã concede tal honra a Mardoqueu, a quem queria assassinar e acaba morrendo na própria armadilha que preparara para Mardoqueu.

O recurso da ironia e reversão no livro de Ester ressaltam o controle de Javé sobre a história e ensina que o plano da sua aliança não pode ser detido.

Propósito e conteúdo

Basicamente o livro de Ester trata dos seguintes assuntos:

  • Javé age em prol da aliança mesmo nos bastidores da história
  • O plano de Javé para o povo da aliança não pode ser detido
  • As conspirações dos ímpios são condenadas

Durante a história, Israel havia recebido de Javé diversos livramentos miraculosos, tais como os dez sinais, a libertação da Egito, a abertura do Mar Vermelho, a queda dos muros de Jericó e até mesmo o retorno dos judeus exilados na Babiblônia. Contudo, no enredo de Ester, a mão miraculosa de Javé parece estar encolhida. Porém, não pode ser apenas coincidência a insônia de um rei e a descoberta quase acidental da trama para eliminar os judeus.

No desenrolar da narrativa a esperança, fundamentada nas profecias de libertação e julgamento dos inimigos (Zc. 1:21), ainda permeava a vida e o pensamento do povo judeu, mesmo que não visse tão claramente a mão de Javé como nas ocasiões anteriores.

Portanto, mesmo que os métodos de Javé mudem na história, seu propósito continua o mesmo, e seu povo reconhece sua soberania no livramento do extermínio e preservação da aliança que fizera com seus antepassados.

Purim

O purim é uma festa de comemoração ao livramento dado por Javé aos judeus que habitavam a Pérsia no período de retorno a Jerusalém. Alguns especialistas afirmam que o livro de Ester foi escrito para legitimar uma festa que não nasceu em solo palestino.

O nome “Purim” é adequado, pois significa sorte, indicando que o oivramento do Senhor não aconteceu por algum modo visivelmente miraculoso, mas de uma forma que muitos considerariam um acaso, porém esta festa legitima o ensino da Providência divina, indicando que Deus age tanto de modo visivelmente miraculoso quanto de modo aparentemente casual.

O povo de Deus

 

Nós estudamos em Gênesis a escolha de Abraão e sua descendência para o propósito do anúncio do nome de Javé entre as nações. Porém, conforme observamos, o povo hebreu falhou neste intento.

No livro de Ester o livramento de Javé não foi dado para que as nações o conhecessem, mas a intenção foi fortalecer a fé de quem cria na soberania de Deus, em detrimento do ceticismo de alguns.

Embora Deus quisesse que seu povo mantivesse um relacionamento com ele, no período pós-exílio, a atribuição do povo judeu de revelar Javé ao mundo perdeu sua importância e, aqui, temos um desvio de paradigma, quando o povo judeu passa a ser um povo exclusivista.

Entretanto, mesmo diante desta mudança de paradigma, o livro de Ester mostra que, indiretamente, o nome de Javé foi anunciado, conforme observamos em 6:13, onde a esposa de Hamã reconheceu que os planos do seu marido não seriam concretizados em virtude da origem judaica de Mardoqueu.

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013 – Introdução ao Livro de Esdras-Neemias – De volta para o futuro

Introdução aos Livros de Esdras e Neemias – De volta para o futuro.

 

Esdras e Neemias pertencem à história pós-exílica de Judá. Eles aparecem na história de Judá cerca de 50 anos após os profetas Ageu e Zacarias, e tiveram ofícios complementares em Jerusalém nesta época de reorganização social e religiosa.

Na Bíblia hebraica estes livros formavam um só volume, e apesar do seu conteúdo “histórico” eles estão inseridos na terceira divisão do cânon hebraico,  os “Escritos”. A maioria dos estudiosos atribui a autoria do volume Esdras-Neemias ao mesmo redator-editor do livro de Crônicas. Creem alguns que este cronista seja o próprio Esdras, por ser escriba, outros ainda atribuem uma autoria anônima a estes livros.

A produção de Esdras-Neemias ocorre em épocas distintas e conta com a coleção de partes também distintas para compor o volume todo. Isto é verificável nos capítulos 1 a 6 de Esdras e nos seus grandes trechos escritos em aramaico (Ed. 4:8 a 6:18; 6:12-26). Estas partes em aramaico reproduzem trechos de documentos oficiais do governo persa; portanto o cronista-redator deveria ter acesso a estes documentos, esta evidência dá suporte à autoria de Esdras.

Esdras é reconhecido pelo zelo religioso com o qual inspirou, com a leitura da Torá, todos os judeus que retornaram do exílio para reconstruirem Jerusalém, que ficara arrasada por causa da invasão babilônica em 586 a.C. Neemias foi o administrador habilidoso que organizou os judeus para a reconstrução dos muros de Jerusalém.

Esdras e Neemias eram judeus de muito prestígio em Susã (Ed. 7:1-6; Ne. 1:11), na Pérsia, de onde sairam para a reforma social e religiosa em Jerusalém. Neste tempo quem governava a Babilônia, agora sob domínio persa, era o rei Artaxerxes (464 – 424 a.C.).

A esta altura uma parte da população já voltara para Jerusalém sob o comando de Zorobabel, porém, a reestruturação de Judá e a reconstrução do Templo não correram bem, pois todos aguardavam com muita espectativa o despertar nacional profetizado por Ezequiel (Ez. 37:1-14), que até aquele momento não havia acontecido. Por isso o ânimo dos judeus estava muito abalado.

Além disso muitos judeus estavam passadno por grandes dificuldades financeiras, que se agravaram em consequência da carga de trabalho para a reforma dos muros de Jerusalém. A decisão de Neemias em não cobrar juros dos empréstimos tomados por judeus nessa situação foi uma das medidas da reforma sócio-econômica promovida no pós-exílio.

O zelo para com as tradições judaicas e com o nome de Javé (Ne. 2:3; Ed. 9:1-15), fizeram com que Esdras e Neemias voltassem para liderar a reforma social e religiosa que Judá precisava naquele momento, duas gerações após o profeta Malaquias.

Para fins didáticos, podemos dividir os livros de Esdras-Neemias em dois momentos distintos da repratriação dos judeus após o exílio:

  • o retorno dos exilados e a reconstrução do templo entre 538-516 a.C. (Ed. 1-6)
  • reorganização religiosa com Esdras e a reorganização social com Neemias entre 458 e 420 a.C. (Ed. 7 – Ne. 13)

Estrutura de Esdras-Neemias

 

Os livros de Esdras-Neemias podem ser estruturados da seguinte maneira:

  1. Esdras
  1. Decreto de Ciro até a reconstrução do Templo – Caps.1 a 6
  2. Primeira parte das narrativas de Esdras – Caps. 7 a 10
  3. Chegada de Neemias até as reformas sociais – Caps. 1 a 7
  4. Segunda parte das narrativas de Esdras – Caps. 8 a 10
  5. Repovoamento de Jerusalém até as reformas religiosas de Neemias – Caps. 11 a 13
  1. Neemias

Os dois livros cobrem aproximadamente 100 anos de história, de 538 a.C. até 433 a.C. As narrativas começam pelo decreto de Ciro para a recostrução de Jerusalém (Ed. 1:1-4) até as reformas efetivadas no segundo mandato de Neemias como governador, de acordo com as ordens persas (Ne. 13:6-30).

O conteúdo do livro pode ser resumido da seguinte maneira:

  • O retorno dos judeus do exílio babilônico para Jerusalém com a restauração do templo e do altar
  • A chegada de Esdras e a reforma religiosa baseada na lei de Moisés (provavelmente Deuteronômio)
  • A chegada de Neemias e a reforma social e econômica e a reconstrução dos muros de Jerusalém

O autor dos livros redigiu e coletou material de diversas fontes e gêneros literários, onde podemos perceber 3 grandes blocos de narração:

  • Sesbazar e Zorobabel – Ed. 1-6
  • Os relatos de Esdras – Ed. 7-10; Ne. 7:73 – 10:39
  • Os relatos de Neemias – Ne 1:1 – 7:73; 11:1 – 13:31

Podemos concluir que o autor agiu de forma proposital ao dispor destes materiais conforme o esboço acima, pois tinha uma intenção teológica  relacionada à renovação da aliança de Javé com o povo judeu. Todos estes relatos unidos comprovam a renovação física e espiritual de Jerusalém.

Quanto aos gêneros literários podemos encontrar:

  • Relatos de Esdras e Neemias em primeira pessoa e relatos em terceira pessoa (Ed. 8:35-36)
  • Documentos históricos e correspondência oficial (Ed. 6:3-5; Ed. 5:7-17)
  • Discursos e orações (Ne. 9:5-37)
  • Cânticos (Ed. 3:11)
  • Listas de nomes (Ed. 2:2-70)
  • Inventário de utensílios do templo (Ed. 1:9-11)

Apesar destes materiais estarem reunidos em um só volume, é muito dificil estabelecer o ministério concomitante de Esdras e Neemias, pois, em suas memórias, nenhum deles menciona o outro como cooperador, exceto numa breve nota em Neemias 8:9. Este padrão se repete no ministério de Zacarias e Ageu, onde embora não mencionem um ao outro, profetizaram em Jerusalém no mesmo período de 2 anos.

Propósito e conteúdo

Basicamente o livro de Esdras-Neemias trata dos seguintes assuntos:

  • A restauração de Jerusalém
  • As reformas sociais, econômicas e religiosas no pós-exílio
  • Javé, o Deus que cumpre a aliança
  • A continuidade da comunidade judaica no pós-exílio
  • O templo e a lei como bases de identidade da nova comunidade judaica

O propósito do ponto de vista histórico dos livros de Esdras-Neemias é narrar o retorno dos judeus da Babilônia e preservar a memória do povo da aliança. Estes registros mostram a fidelidade de Javé ao preservar os judeus no decorrer dos diversos governos humanos na história. Estas narrativas também visavam informar ao rei persa as atividades realizadas por ambos como uma espécie de prestação de contas pela confiança depositada no retorno deles ao governo persa.

Sob o ponto de vista teológico os livros de Esdras-Neemias focaliza a renovação da aliança de Javé com o povo judeu no pós-exílio. Javé não havia se esquecido de sua promessa com o povo judeu, e mesmo agora, neste período de incertezas e reconstrução, tanto social quanto espiritual, ele deseja renovar sua aliança com o povo escolhido. Neste momento de reestruturação era importante que o povo soubesse que a obediência às leis da aliança eram o pré-requisito para as bênçãos de Javé. Teologicamente o retorno da Babilônia representa um novo Êxodo para o povo judeu.

Javé como cumpridor da aliança

A fidelidade de Javé à sua aliança (Ne. 9:32) era o motivo principal que levou Esdras e Neemias a executarem as reformas empreendidas por ambos. Esta fidelidade era a causa da esperança de Israel (Ed. 10:2), mesmo em um período tão atribulado.

Os profetas pós-exílicos sustentaram-se neste mesmo fundamento para sua mensagem de estímulo à nova comunidade (Zc. 1:3; Ml. 1:2).

As reformas e as origens do farisaísmo

 

Nas reformas do período pós-exílico houve duas inquietudes importantes:

  • Evitar um novo exílio
  • Preservar a identidade étnica

As medidas abaixo visaram proteger os judeus contra estas preocupações:

  • Cerimônia de renovação da aliança para garantir a posse da terra – Ne. 9:38 – 10:27
  • Restituir o ministério sacerdotal – Ed. 10:18-44
  • Recomeço dos rituais do templo e guarda do sábado – Ne. 8:13-18; 13:15-22
  • Estabelecimento da Lei de Moisés como padrão de vida comunitário – Ne. 8:1-12
  • Reformas sociais e econômicas fundamentadas na lei da aliança – Ne. 11:1-2
  • Pureza cerimonial da população de Jerusalém – Ne. 10:28-39
  • Divórcio e expulsão de estrangeiros dentre o povo –  Ed. 10:1-8; Ne. 9:1-5; 13:1-3

Estas medidas, a longo prazo, remoldaram a sociedade israelita e definiu o que conhecemos como a sociedade judaica do Novo Testamento. O templo e o sacerdócio substituíram o Estado e o rei como instituições fundamentais para a ordem e identidade social, sendo a lei de Moisés a constituição reguladora da comunidade. Com o passar do tempo estas medidas ocasionaram o exclusivismo judaico diante dos povos gentios, que eram vistos como moralmente impuros e corrompidos.

Ademais, Esdras reconfigurou as funções de escriba e sacerdote, fundindo-as numa única atividade: o estudo e a exposição das escrituras hebraicas. Com o fim dos sacrifícios no templo os sacerdotes se tornaram os únicos autorizados a ler e interpretar as leis mosaicas.

Para confirmar a obediência correta à lei da aliança, estes sacerdotes, com o passar do tempo, criaram complementos a esta lei, que foram chamados de tradição dos líderes religiosos (Mt. 15:1-9). Estes acréscimos, feitos por estes sacerdotes à lei primária,  passaram a exercer um papel cada vez maior na sociedade substituindo a lei mosaica.

A fixação com a exclusividade do povo judeu cegou-os quanto à verdadeira missão que tinham de ser luz para as nações (Is. 42:6; Lc. 2:32) sendo duramente criticados por Jesus, que ensinava com autoridade a verdadeira Lei de Moisés (Mc. 1:22).

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012 – Introdução ao Livro das Crônicas – Paz no futuro e glória no passado

Introdução ao Livro das Crônicas – Paz no futuro e glória no passado.

 

Os livros de 1 e 2 Crônicas, assim como os livros de Samuel e Reis, formavam um único volume, e, na Bíblia hebraica vinha logo após os livros de Esdras e Neemias. Isto sugere ao menos 2 coisas:

  • Aceitação posterior no cânon hebraico
  • Crônicas seria considerado um apêndice, ou um complemento das histórias de Samuel e Reis

Nossa Bíblia segue o padrão do AT grego (a Septuaginta), colocando Crônicas após o livro de Reis, antes de Esdras-Neemias.

Quando passamos de Reis diretamente para Crônicas, sentimos certa familiaridade, mas a ênfase dada pelo cronista (chamaremos seu autor desta forma) na história de Judá torna este livro único, e desta maneira, justifica seu estudo separadamente do livro dos Reis.

O cronista não é um historiador no sentido pleno do termo, pois ele entendia que a história dos reinos de Israel e Judá estava carregada de lições morais e espirituais, por isso ele toma como fontes primárias de informação os livros de Samuel e Reis, e não se preocupa com os dados em si mesmos mas com o seu significado. Logo, podemos dizer que este livro tem um conteúdo histórico altamente interpretativo.

E, para interpretar esta história, o cronista abrange os momentos históricos de Israel desde os patriarcas (usando genealogias) até a derrocada do reino do Sul, Judá, pelas mãos da Babilônia.

O cronista registra a história do povo de Israel na monarquia unida desde Adão até Davi com o foco na Aliança de Javé com o povo hebreu, com atenção especial nos patriarcas. Ainda na monarquia unida o autor destaca os acontecimentos ligados à arca da aliança e ao templo, construído por Salomão. Durante a monarquia dividida os relatos de Crônicas praticamente desprezam o Reino do Norte, Israel.

Na época da produção de Crônicas, o povo de Judá estava no período pós-exílico, e era importante reafirmar a fé em Javé. Portanto, o cronista interpreta a história de Israel permitindo que o judeu percebesse que Javé estava no governo da história e que sua aliança ainda era válida.

O fracasso de Zorobabel em instaurar o reino messiânico previsto por Zacarias e Ageu, aliado às breves reformas religiosas propostas por Esdras e Neemias, desafiaram o autor de Crônicas a enxergar esperança para os judeus tomando por base a própria história de Israel. A restauração estava a caminho, e, o segundo êxodo previsto por Zacarias, inaugurando o reino do Messias em Jerusalém, invadiria a história humana (Zc. 8:1-8)

Para reconstruir a história, e dar ao povo judeu a esperança no futuro, o autor de Crônicas selecionou apenas os fatos positivos dos reis de Judá, praticamente excluiu as narrativas do reino do Norte e os pecados de Davi e a apostasia de Salomão. O autor também se utilizou de fatos não narrados em Samuel e Reis (2 Cr. 33:18-20).

O nome do livro em hebraico, tirado dos primeiros versículos, é “as palavras dos dias” e seu nome “Crônicas” vem da sugestão abreviada de Jerônimo que o chamou de “crônica de toda história divina”.

Houve tempo que os estudiosos consideravam Crônicas uma obra do mesmo autor de Esdras-Neemias, mas atualmente esta teoria não encontra mais adeptos. Entretanto, a maioria dos eruditos concordam quanto à data de sua produção em torno do ano 400 a.C., um pouco depois da composição dos livros de Esdras-Neemias e cerca de 100 anos após o profeta Malaquias. O registro cronológico da genealogia de Zorobabel em 1 Cr 3:17-21 apoia este teoria.

Além de recorrer aos livros de Samuel e Reis para compor a história cronista, seu autor também reuniu outras fontes históricas tais como:

  • Registros genealógicos (1 Cr. 4:33; 5:17; 7:9,40; 9:1,22; 2 Cr. 12:15)
  • Cartas e documentos oficiais (1 Cr. 28:11-12; 2 Cr. 32:17-20; 2 Cr. 36:22-23)
  • Poemas, orações, discursos e cânticos (1 Cr. 16:8-36; 1 Cr. 29:10-22; 2 Cr. 29:30; 2 Cr. 35:25)
  • Registros históricos dos reis de Israel e Judá (2 Cr. 16:11; 2 Cr. 25:26; 2 Cr. 27:7; 2 Cr. 28:26; 2 Cr. 32:32; 2 Cr. 36:8)
  • Registros históricos de do rei Davi (1 Cr. 27:24)
  • Comentários sobre dos livros dos reis (2 Cr. 24:27)
  • Literatura profética primitiva, tais como os registros de Samuel, Natã, Gade (1 Cr. 29:29)
  • Literatura profética posterior, tais como os registros de Aías, Ido, Semaías, Jeú e Isaías (2 Cr. 12:15; 20:34; 32:32)

Andrew Hill & J. H. Walton, Panorama do Antigo Testamento. São Paulo: Vida, 2007.

Estrutura de Crônicas

 

O livro de Crônicas pode ser dividido literariamente da seguinte forma:

  • Genealogia desde Adão até os exilados que retornaram (1 Cr. 1 – 9)
  • Monarquia unida de Davi e Salomão (1 Cr. 10 – 2 Cr. 9)
  • Monarquia dividida de Judá (2 Cr. 10 – 36:16)
  • Exílio de Judá na Babilônia (2 Cr. 36:17-23)

Nesta divisão fica claro que o objetivo do cronista é mostrar o ideal monárquico de Davi e Salomão, afinal são dedicados vinte e nove capítulos a estes reis. Para reanimar a fé do povo judeu que retornara do exílio o cronista compara o apogeu vivido nestes reinados com a realização da Aliança de Javé com seu povo. Do começo ao fim do livro são citadas as intervenções divinas neste período (1 Cr. 10:14; 2 Cr. 10:15).

A estrutura literária do livro também destaca a centralidade do templo como local de adoração único de Javé ao começar o segundo livro com a construção do primeiro templo e terminá-lo com o édito do rei Ciro para a reconstrução deste templo.

As genealogias, longe de serem apenas um enchimento literário, realça a unidade de todo Israel, um assunto primordial em virtude da separação dos reinos e retorno do exílio babilônico. O foco das genealogias são principalmente as tribos de Judá e Levi, isto é, a realeza e o sacerdócio respectivamente.

O incentivo e desafio é amplamente visto durante a exposição da narrativa do cronista. A coroação de Davi (1 Cr. 11 – 12) e as circunstâncias que a envolveram destacam a unidade e o ideal davídico da aliança. O tema fé e confiança foi bem explorado em 2 Cr. 13 a 16, enquanto os capítulos 21 a 23 evidenciam a preservação da dinastia davídica.

A desobediência de Saul é contrastada com a obediência de Davi e seu cuidado para com a arca da aliança, os preparativos para a construção do templo e a organização do culto a Javé.

O livro também enfatiza os reis Ezequias e Josias por suas contribuições ao culto a Javé e sua dedicação à purificação do templo de Jerusalém. A profecia também recebe uma atenção particular ao apresentar as bençãos e maldições previstas no código da Aliança (2 Cr. 36:17-21). Mesmo os casos de reis, cuja avaliação é negativa, tal qual Manassés e Amom, são apresentados como casos de conversão da apostasia (2 Cr. 33:1-9; 33:21-25).

O livro destaca que a rebelião contra Javé trouxe consequências graves para o povo da aliança, a dinastia davídica e o templo de Javé. Além do desterro, que era uma das promessas de Javé ao povo escolhido, o templo, como símbolo do governo teocrático de Javé, foi destruído. Contudo, assim como Javé cumpriu sua palavra acerca do exílio ela também se cumpriu na restauração e retorno dos judeus sob o governo de Ciro (2 Cr. 36:21-22).

Propósito e conteúdo

Com relação ao seu propósito e conteúdo, o livro de Crônicas abrange os seguintes temas principais:

  • Recordação do passado para a esperança no presente
  • A centralidade na adoração no Templo de Jerusalém
  • Os reinados de Davi e Salomão como ideais da aliança
  • Autenticar a liderança dos sacerdotes e levitas

O objetivo do cronista foi mostar que os reinados de Davi e Salomão privilegiaram a adoração correta de Javé, e isso impulsionou a monarquia no período que se manteve unida. Portanto, se a comunidade judaica pós-exílica seguisse o exemplo da monarquia unida da adoração centralizada no templo, a restauração prevista pelos profetas se concretizaria.

A escolha de Israel feita por Javé é refletida nas longas listas genealógicas (1 Cr. 1 – 9) e a repetição dos feitos de Javé na história de Israel, cujo paradigma são os reinados de Davi e Salomão, tornou-se a garantia da sua futura intervenção para o cumprimento de seus propósitos com relação à aliança com os hebreus.

Ao relembrar seu passado, a nova comunidade pós-exílica tomou ciência das bênçãos e maldições referentes à aliança, além de observarem o respeito para com a liderança instituída por Javé, no caso os sacerdotes e levitas. Este parecia ser o caminho para a retomada do sucesso de outrora.

Na recodação histórica feita pelo cronista, Judá torna-se herdeiro das promessas de Javé a “Israel” e chama a todos os israelitas, por meio das genealogias, a unirem-se à aliança com Javé novamente. Desta forma os dias de glória do passado seriam revividos.

A visão cronista também apontava para a esperança que os profetas disseram de que Jerusalém seria o centro político e religioso do mundo, e agiria da mesma maneira como agiu nos reinados de Davi e Salomão (Zc. 14:12-21).

Adoração no Antigo Testamento

 

A adoração de Javé no templo de Jerusalém era o ideal cúltico que o cronista tinha em mente. Exemplos de adoração enfatizados em Crônicas:

  • Adoração comunitária e individual – 1 Cr. 15:29; 2 Cr. 31:20-21
  • Adoração liderada pelos sacerdotes observando o calendário litúrgico – 2 Cr. 35:1-19
  • Resposta espontânea de adoração a Javé quando Ezequias celebra a páscoa duas vezes em um ano – 2 Cr. 30:13-22.
  • Adoração particular – 1 Cr. 16:23-27
  • Adoração pública – 1 Cr. 16:36; 29:9; 2 Cr. 5:2-14; 6:3-11

O cronista enfatizou também que a verdadeira adoração vem do temor ao Senhor (2 Cr. 6:31-33) e do amor a Javé de todo coração (1 Cr. 28:9; 2 Cr. 19:9).

Apesar da ênfase no Templo de Jerusalém, pois representava a própria presença de Javé no meio do seu povo, o cronista também destacou que a verdadeira adoração não pode ser restringida a um tempo ou lugar sagrado (2 Cr. 6:12-23).

Ainda em relacão à adoração o autor de Crônicas destaca o papel dos sacerdotes na vida religiosa da nação de Israel. Quanto aos levitas, após a instituição do templo, eles não precisariam mais carregar o tabernáculo, por isso o livro destaca as seguintes tarefas para estes personagens: cantores, músicos, guardas das portas, professores da lei e juízes (1 Cr. 24 – 26; 2 Cr. 17:7-9; 19:11).

Quando a monarquia em Israel foi extinta, os sacerdotes e levitas ficaram responsáveis pela administração da nação e o cronista pensou que esta classe social restabeleceria a teocracia em Israel, mas não foi o que aconteceu. Por isso Malaquias censura os sacerdotes por não cumprirem com suas funções sagradas (Ml. 1:6 – 2:9).

No Novo Testamento isso fundamentou o papel de Jesus como sacerdote de uma aliança superior (Hb. 7:20-22).

Arrependimento e misericórdia

 

O cronista além de historiador era também teólogo, pois conhecia a misericórdia e graça de Javé diante do arrependimento genuíno de seu povo (compare Êx. 32:11-14 com 2 Cr. 12:6-12). Seu perdão estava continuamente estendido a todos os que se dispunham a mudar suas atitudes e se voltavam para ele (2 Cr. 15:4; 32:26). Antigos habitantes do reino do norte (Israel) experimentariam sua bondade se retornassem aos seus caminhos (2 Cr. 30:6-9). Até mesmo o perverso rei Manassés provou a misericórdia de Javé (2 Cr. 33:12-14).

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011 – Introdução ao Livro de Reis – Um povo, duas nações

Introdução ao Livro dos Reis – Um povo, duas nações

 

Na Bíblia hebraica, tal qual os livros de I e II Samuel, os livros de Reis formam um único volume e se encontram na seção chamada “Profetas Menores” junto com Josué, Juízes e Samuel.

O livro de Reis focaliza as bênçãos e maldições da aliança com Javé registrando os fatos desde a morte de Davi, o trono herdado por Salomão até o esfacelamento dos reinos do Norte e do Sul, isto é, Israel e Judá respectivamente.

A divisão entre os livros de Samuel e Reis não é clara e a divisão ocorreu na tradução do Antigo Testamento em grego (Septuaginta) para que os registros não ficassem tão grandes.

Em Reis fica evidente a apostasia do povo hebreu com o consequente julgamento de Javé.

O livro dos Reis registra a história política de Israel no período da monarquia unida (que começa em torno de 970 a.C.), atravessa a deportação do Reino do Norte, Israel, pela Assíria em 722 a.C., até o exílio para a Babilônia em 586 a.C.

Na história do reino dividido o Reino do Norte, Israel, era politicamente mais instável que o Reino do Sul, Judá. Alguns fatores comprovam isso:

  • Duração mais curta que o Reino do Sul, apenas 209 anos.
  • A violência sempre precedeu a sucessão real.
  • Todos os dezenove reis são considerados maus pelo autor de Reis, pois são acusados de prestarem culto ao bezerro de ouro de Jeroboão.
  • A duração média de um reinado era de 10 anos
  • Nove famílias diferentes reivindicaram o trono de Israel

O Reino do Sul, Judá, ainda sobreviveu por mais um século e meio, chegando a 345 anos de existência, e abaixo estão relacionadas suas principais características:

  • A média de duração do governo de um rei foi de dezessete anos.
  • A família de Davi foi a única a reivindicar o trono de Jerusalém, gerando estabilidade política.
  • O reinado da rainha Atalia (2 Reis 11) foi a única interrupção da sucessão davídica no trono de Judá.
  • Dos dezenove reis de Judá, oito são classificados como bons pelo autor de Reis.

Dois fatos históricos importantes estão registrados no livro dos Reis:

  • Nomeação por Nabucodonosor de Gedalias para o governo de Judá (596 a.C.), e seu assassinato (582 a.C.) – 2 Rs. 25:22-26
  • Libertação do rei Joaquim da Babilônia após a morte de Nabucodonosor (562 a.C. ou 561 a.C.) – 2 Rs. 25:27-30

Em relação à autoria do livro dos Reis, a tradição hebraica atribui ao profeta Jeremias devido às semelhanças entre os relatos de 2 Reis 24 e 25 e Jeremias 52. Além disso, o livro de Reis dá bastante destaque ao papel dos profetas no Antigo Testamento, contudo, analisando-se o propósito, contexto e conteúdo teológico não há evidência suficiente para comprovar esta tese.

Para a produção da história da aliança no livro dos Reis, o autor utilizou ao menos 3 fontes primárias que estão citadas por todo o livro:

  • Registros históricos de Salomão (1 Rs. 11:41)
  • Registros históricos dos reis de Israel (1 Rs. 14:19)
  • Registros históricos dos reis de Judá (1 Rs. 15:23)

Estes documentos provavelmente fazem parte do acervo produzido pelos escribas reais conforme descritos em 2 Sm. 8:16; 20:24-25.

Alguns eruditos ainda acreditam que haja outras fontes para a compilação do livro dos Reis, tais como:

  • As histórias da sucessão de Davi (2 Sm. 9 a 20)
  • A dinastia de Acabe (1 Rs. 16 a 2 Rs. 2)
  • O desenvolvimento profético na era Elias-Eliseu (1 Rs. 17 – 19:21 e 2 Rs. 1 a 13)
  • O profeta Isaías (Isaías 36 a 39 é praticamente idêntico a 2 Rs. 18:13 a 20:19)
  • Os profetas considerados “não literários” (Ex: Aías 1 Rs. 11:29-33; 14:1-16 e Micaías 1 Rs. 22:13-28)

Dadas as evidências histórico-sociais não é errado supor que o livro de Reis tenha sido produzido por volta de 550 a.C. Não é possível ter certeza de que o autor tenha sido algum profeta, mas podemos aferir que ele tinha um amplo conhecimento sobre o teor da aliança entre Javé e Israel, e suas consequências na história.

Estrutura de Reis

 

O livro de Reis está organizado da seguinte maneira:

  • Rei Salomão (1 Reis 1 – 11)
  • Rei Roboão (1 Reis 12:1-22)
  • Reis de Israel e Judá de 931 a.C. a 853 a.C. (1 Reis 12:22 – 16:34)
    • Jeroboão I, Roboão, Abias, Asa, Nadabe, Baasa, Elá, Zinri, Onri, Acabe
  • Elias e Eliseu (1 Reis 17:1 – 2 Reis 8:15)
    • Rei Josafá, rei Acazias, rei Jorão
  • Reis de Israel e Judá de 852 a.C. a 722 a.C. (2 Reis 8:16 – 2 Reis 17:41)
    • Jeorão, Acazias, Jeú, Atalia e Joás, Jeoacaz, Jeoás, Amazias, Jeroboão II, Azarias, Zacarias, Salum, Menaém, Pecaías, Pecal, Jotão, Acaz, Oséias
  • Queda de Samaria (Israel) – 2 Reis 17:4-41
  • Reino de Judá de 729 a.C. a 586 a.C. (2 Reis 18:1 – 24:17)
    • Ezequias (Assíria contra Judá), Manassés, Amon, Josias, Jeocaz, Jeoaquim (Primeira invasão babilônica), Joaquim (Segunda invasão babilônica)
  • Queda de Jerusalém (Judá) – 2 Reis 25:1-21
  • Governador Gedalias (2 Reis 25:22-26)
  • Joaquim no exílio

As narrativas do livro de Reis abrangem o período da ascensão de Salomão ao trono até a queda de Jerusalém em 586 a.C. Estes fatos estão organizados de forma cronológica de acordo com o interesse do autor em mostrar o que ocorrera devido à desobediência do povo hebreu à aliança com Javé.

Os assuntos, organizados de acordo com a seleção do autor, envolvem:

  • A sabedoria de Salomão (1 Reis 3) e um resumo do seu governo (1 Reis 4)
  • As obras de Salomão antes do Templo de Jerusalém (1 Reis 5:1 – 1 Reis 7:12)
  • Alguns eventos do reinado de Jeroboão I e Ezequias (1 Reis 13; 14:1-20 / 2 Reis 18:7 a 2 Reis 19:37 e 2 Reis 20)
  • Resumo das atividades proféticas de Elias e Eliseu

Estas narrativas são contadas simultaneamente de forma intercalada entre os reis do Norte (Israel) e do Sul (Judá). As histórias dos reis são interrompidas apenas pelos relatos dos profetas Elias (reis Onri e Acabe) e Eliseu (rei Jorão).

As narrativas de Elias e Eliseu não são importantes somente como um registro do profetismo israelita não-literário, mas também como um testemunho da fidelidade de Javé para com Israel, mesmo após a adoração a baal ser instituída como religião oficial do Reino do Norte (Israel) pelo rei Acabe, quando se casou com a princesa fenícia Jezabel (1 Reis 21:25-26).

A tabela abaixo representa o drama religioso vivido nessa época em Israel.

Baal (deus cananeu da tempestade) Javé (Deus de Elias e Eliseu)
Baal, deus da tempestade, controla a chuva Elias anuncia o período de seca (1 Rs. 17:1)
Baal garante a fertilidade nas colheitas Israel padece fome e seca, mas Elias e Eliseu distribuem trigo e azeite de forma milagrosa (2 Rs. 4:1-7; 42-44)
Baal controla os relâmpagos e o fogo Elias pede fogo do céu em nome de Javé (1 Rs. 18:38; 2 Rs. 1:10-12; 2:11).
Baal controla a vida e a morte Elias e Eliseu curam doentes e ressucitam mortos em nome de Javé (1 Rs. 17:7-24; 2 Rs. 4:8-37; 5:1-20)

Andrew Hill & J. H. Walton, Panorama do Antigo Testamento. São Paulo: Vida, 2007.

A narrativa da monarquia de Judá segue o seguinte padrão de estrutura:

  1. Apresentação do rei pelo nome, nome do pai e em que momento ocorreu sua ascensão em relação ao reinado correspondente em Israel (Reino do Norte).
  2. Dados biográficos tais como: idade do rei, duração do seu reinado, avaliação do seu reinado em termos morais e espirituais. Outras informações como o nome da rainha-mãe e Jerusalém como capital do reino são citadas.
  3. Apresentação de fontes adicionais do seu reinado e informações sobre sua morte e sepultamento.

O relato da monarquia israelita seguia o mesmo padrão, exceto pela omissão da capital, Samaria, e do nome da rainha-mãe.

Propósito e conteúdo

O livro de Reis trata basicamente sobre os seguintes assuntos:

  • A avaliação dos reis – mal como Jeroboão e bom como Davi
  • As bençãos no arrependimento e restauração e as maldições no julgamento e exílio
  • O profetismo como voz de Deus para o rei
  • A adoração de Javé X a adoração de baal

O livro dos Reis narram o desenvolvimento da história do povo hebreu no período monárquico unido e posteriormente dividido. Este desenvolvimento é narrado sob a ótica da obediência e desobediência em relação à aliança de Javé com o povo hebreu.

Os personagens principais são os reis e os profestas, que eram os responsáveis pelo cumprimento da aliança por parte do povo. O rei era o representante do povo diante de Deus, e o profeta servia como consciência divina para esse rei. O rei, quando falhava no cumprimento da aliança, gerava tipicamente dois problemas: idolatria e injustiça social. A consequência deste ato de rebelião à aliança incluía a opressão por povos vizinhos, a queda da familia real e, pro fim, o exílio, a perda da terra da promessa.

O propósito literário do livro de Reis é autenticar a dinastia davídica como a herdeira oficial do trono de Jerusalém, conforme profecia de Natã a Davi em 2 Samuel 7:12. O registro de Reis é feito de forma complementar ao livro de Samuel, que mostra a soberania de Deus na história da aliança mesmo em face do livre arbítrio do ser humano com suas responsabilidades e autonomia.

Avaliação de Salomão

O livro de Reis fornece um relato favorável a cerca de Salomão e seus primeiros anos de reinado:

  • Foi amado de Javé – Siginificado de Jedidias em 2 Sm. 12:24-25
  • Dom da sabedoria – 1 Rs. 3
  • Inaugurou a era de ouro de Israel com prosperidade e glória sem precedentes em Israel – 1 Rs. 10:14-29
  • Construtor reconhecido internacionalmente – 1 Rs. 6:1 – 7:12
  • Amante das artes e ciências – 1 Rs. 4:29-34

Entretanto, em seus últimos anos de reinado houve grande declínio político, religioso e moral, pois deixou-se seduzir por suas centenas de mulheres estrangeiras e pelo materialismo (1 Rs. 11:1-3).

O autor de Reis atribui à idolatria de Salomão a divisão de Israel em dois reinos: Norte (Israel) e Sul (Judá), conforme 1 Rs. 11:31-35. Contudo, a derrocada do Império deveu-se aos anos de má administração do Estado pelo rei. Confira na tabela abaixo algumas dessas práticas que levaram à falência a nação de Israel:

Evento Referência
1. Aliança política com nações pagãs por meio do casamento 1 Rs. 3:1-2
2. Sincretismo religioso para agradar os novos parceiros político-econômicos 1 Rs. 11:1-8
3. Reorganização tribal, desconsiderando o pacto de divisão das terras em Números, para obter vantagem econômica 1 Rs. 4:7-19
4. Aumento da burocracia do Estado 1 Rs. 4:22-28
5. Obras monumentais que exigiam trabalhos escravo estrangeiro e hebreu 1 Rs. 5:13-18; 9:15-22; 12:9-11
6. Aceitação das ideias políticas pagãs em consequência do comércio internacional 1 Rs. 9:26-28; 10:22-29 v. 11:1-11
7. Rebeliões sucessivas minaram a força do poder militar de Salomão. Perda de receia das nações estrangeiras 1 Rs. 11:9-25

Andrew Hill & J. H. Walton, Panorama do Antigo Testamento. São Paulo: Vida, 2007.

Estes eventos trouxeram à tona as antigas desavenças tribais, quando Roboão assume o trono de Jerusalém (1 Rs. 12:16).

Profecia não-literária e literária

Durante o desenvolvimento da história de Israel houve intensa atividade profética que pode ser dividida da seguinte forma:

  • Período profético não-escrito, ou pré-clássico
  • Período profético escrito, ou clássico

No movimento pré-clássico a tendência é descrever a atividade dos profetas por meio de milagres em forma de narrativas históricas, isto é, eles também são personagens dos relatos em Reis. Seu campo de atividade se restringia basicamente à família real.

O movimento clássico, ou literário, ações simbólicas são escritas em forma de oráculos ao invés de milagres. A mensagem dos profetas literários (p. ex: Amós, Isaías, Oséias) atingiam os líderes políticos e religiosos, a população, bem como outras nações.

Dinastia monárquica e liderança carismática

O sistema de governo do Reino de Judá é considerado uma monarquia dinástica, ou seja, o trono passa de pai para filho. No caso de Judá, esta dinastia era divinamente estabelecida (2 Sm. 7).

No Reino do Norte, Israel, ao contrário de Judá, a sucessão ao trono não era realizada de maneira hereditária, mas o modelo de sucessão seguia o padrão carismático, semelhante ao período dos juízes, quando Javé escolhia um líder dentre o povo e capacitava-o com o Espírito Santo. Esta capacitação temporária se manifestava externamente de diversas maneiras e tinha o objetivo de inspirar o povo hebreu a viver o padrão de santidade de Javé, o soberano absoluto de Israel.

Ao contrário de Judá, a sucessão dinástica, ou de pai para filho, em Israel estava condicionada à obediência do rei aos mandamentos de Javé (1 Rs. 11:37-38). Esta condição não foi respeitada pelos reis do reino do Norte, então houve o anúncio da tragédia que se abateria sobre Israel (1 Rs. 14:10-11).

Após a derrocada do rei desobediente, havia a ordem para o rei seguinte executar o anterior. Este procedimento, muitas vezes, terminava em um golpe político de caráter violento (1 Rs. 16:3-4; 11-12).

O bezerro de ouro

O bezerro era tido no Egito como símbolo da fertilidade, e era mais conhecido como Boi Ápis, o mesmo que Israel construiu no deserto (Ex. 32). Ápis era adorado no Egito como símbolo da fertilidade e vida. Provavelmente Jeroboão recolocou Ápis como símbolo religioso de Israel por causa da influência que recebeu durante seu exílio no Egito, onde permaneceu até a morte de Salomão (1 Rs. 11:40).

Quando Jeroboão retornou a Israel, misturou práticas religiosas dos cananeus no culto ao Boi Ápis. Este procedimento de Jeroboão foi premeditado para conquistar a lealdade dos israelitas e impedi-los de ir às festas religiosas em Jerusalém, que estava sob o controle do Reino do Sul, Judá.

Isto gerou uma prática e ideologia bem diferente da adoração a Javé, e serviu apenas para Jeroboão consolidar seu poder no Reino do Norte. Mais tarde o profeta Oséias referiu-se às estas estátuas como ídolos, não Deus (Os. 8:4-5), que estavam também relacionadas aos rituais de fertilidade de baal (Os. 10:5; 11:1-2; 13:1-2).

Esta atitude não apenas tirou a dinastia de Jeroboão do trono, como acabou com o Reino do Norte, sendo consumido por Javé em sua ira (2 Rs. 17:18).

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010 – Introdução ao Livro de Samuel – O homem governa?

Introdução ao Livro de Samuel – O homem governa?

 

Na Bíblia hebraica, os livros de I e II Samuel formam um único livro, e, neste estudo, vamos tratá-lo desta maneira. O livro de Samuel faz a ponte entre o período dos juízes e o estabelecimento da monarquia em Israel, abrangendo os reinados de Saul e Davi, seus dois primeiros reis.

Os acontecimentos narrados se situam entre a metade do século XI a.C. até o século X a.C., porém, alguns estudiosos estabelecem a redação do livro muito tempo após os fatos ocorridos, mas, temos boas razões para dizer que a redação é contemporânea aos acontecimentos descritos no livro, uma vez que a corte dispunha de um arquivista real e de um secretário (cf. 2 Sm. 20:24-25).

Os fatos ocorridos com Samuel e Saul abrem o livro de Samuel, que se fecha com a compra feita por Davi do campo de Araúna, que seria o futuro terreno onde Salomão, seu filho, edificaria o Templo de Jerusalém. O enredo principal fica por conta de Davi, que luta para constituir e manter a nação de Israel.

Neste período, as nações mais poderosas do Antigo Oriente Médio, Egito e as nações mesopotâmicas, não estavam em condições de combates externos. Por isso, alguns povos de menor expressão no cenário palestino, puderam avançar em busca de novos territórios. Foi nesta ocasião que os filisteus atacaram Israel de forma consecutiva, sendo combatidos pelo rei Saul, que morreu em uma das batalhas, e foram expulsos por Davi. A partir daí Davi conseguiu expandir as fronteiras do reino de Israel na região Palestina por meio de batalhas e tratados.

Estrutura de Samuel

 

O livro de Samuel está dividido da seguinte maneira:

  • Histórias de Samuel – 1 Sm. 1:1 – 4:1a
  • Histórias da Arca da Aliança – 1 Sm. 4:1b – 7:2
  • A instituição da monarquia e reinado de Saul – 1 Sm. 7:3 – 15:35
  • A Ascensão e reinado de Davi – 1 Sm. 16:1 – 2 Sm. 5:10
  • Os sucessos de Davi e a consolidação do reinado – 2 Sm. 5:11 – 9:13
  • Os fracassos de Davi e a dificuldade de manter o poder – 2 Sm. 10:1 – 24:25

Os primeiros capítulos tratam da apresentação de Samuel, a condição deplorável do período dos juízes (Eli e seus filhos – I Sm. 2:12ss) e marca a transição entre este período e a monarquia em Israel. Este período termina com a tomada da Arca da Aliança pelos filisteus. No mundo antigo a vitória de um exército sobre outro indicava o poder e a vitória do deus do exército vencedor sobre o deus do exército perdedor. Logo, a conclusão era que Dagom, o deus filisteu, era mais poderoso do que Javé, o deus de Israel. Os capítulos 5 e 6 de I Samuel registram fatos que desmentem essa teoria, pois, mesmo capturada, a Arca ainda representava a presença de Javé, e as pragas enviadas sobre o povo filisteu mostraram que, embora o povo de Israel tivesse perdido a batalha, Javé não fora derrotado pelos filisteus. A narrativa com o retorno da Arca faz menção Êxodo. A Arca permaneceu em um alojamento temporário durante todo reinado de Saul, e só voltou a ter uma posição de destaque quando Davi a levou para Jerusalém (2 Samuel 6), sugerindo que, tanto Samuel quanto Saul são personagens que indicam a transição para o período de ouro de Israel com o rei Davi, além de indicar a importância da Arca da Aliança.

Samuel atuava como profeta e sacerdote, além de juiz de Israel. Mas, apesar do poder político que possuía, não era rei. Após a vitória sobre os filisteus (I Sm. 7), e a reconquista dos territórios que haviam sido perdidos, cresce o clamor popular por um rei, pois o povo entendeu que nem Samuel, já idoso, nem seus filhos poderiam manter Israel na posição que ocupava naquele momento. A alusão à frustração de Samuel com relação à nomeação de um rei pode indicar que ele se considerasse apto à esta posição (I Sm. 8:4-5).

Nas narrativas da monarquia unida (Saul, Davi e Salomão) o livro de Samuel apresenta como estrutura narrativa a função do rei, suas qualidades e sucesso e, por fim, seus fracassos e conquistas. No caso de Saul, ele é retratado muito mais como um juiz do que como rei, de acordo com o episódio ocorrido em Jabes-Gileade (I Sm. 11). Porém, Saul não tinha firmeza espiritual nem um conhecimento consistente de Javé, afinal mal haviam saído dos quatrocentos anos de apostasia no período dos juízes. Entretanto Deus esperava de um rei muito mais do que de um juiz, e Saul não cumpriu essas exigências.

O capítulo 12 conclui que, o povo, ao escolher para si um rei, estava, na verdade, rejeitando o governo do próprio Deus. O povo pensava que a ausência de um rei os faria perder as batalhas pela permanência na terra prometida.

O texto mostra que, independente das falhas e fracassos de Saul, Deus estava disposto a dar a ele uma chance de desenvolver seu potencial. Isso nos ensina que Deus executa seus propósitos a despeito das falhas das pessoas que ele chama e convoca.

Os capítulos 13 a 15 vão apontar as falhas de Saul, que são anteriores ao seu relacionamento de Davi. O autor tem esse cuidado para mostrar que não foi Davi quem desqualificou Saul, mas ele próprio. O caso do sacrifício oferecido por Saul demonstra sua incapacidade de tomar decisões sábias em momentos difíceis, qualidade de um verdadeiro rei. Ao fazer o sacrifício Saul agiu conforme o modelo monárquico cananita, isto é, onde o rei também possui o ofício de sacerdote.

Os capítulos 14 e 15 continuam revelando a incapacidade de Saul de tomar decisões, e isto levou Deus a mandar Samuel ungir Davi como futuro rei de Israel. Daqui para frente a narrativa se volta para Davi e mostra como ele, mesmo sendo predestinado ao reinado, não tomou o trono de Saul. A narrativa apresenta três fatores para comprovar isso:

  • A hostilidade de Saul – Foi sempre Saul quem iniciou os confrontos com Davi.
  • A ausência de vingança por parte de Davi – Davi teve duas oportunidades claras de matar Saul, mas não o fez (I Sm. 24 e 26).
  • As afirmações de inocência de Davi no texto – Estas declarações são feitas por: Samuel (I Sm. 28:16-18); Abigail (1 Sm. 25:30); Jônatas (I Sm. 19:4-5, 20:14-15, 22:16-18); e pelo próprio Saul (I Sm. 20:31, 24:16-22, 26:21-25)

Os sucessos de Davi são descritos em II Sm. 5 – 9. Este trecho mostra a instituição de Jerusalém como nova capital quando a Arca da Aliança é trazida e restaurada à sua função. Este texto mostra como Davi firmou o trono de Javé em Jerusalém (capítulo 6) e, como Javé firmou o trono de Davi (capítulo 7) por meio da sua aliança.

Os capítulos 10 a 20 focaliam a família de Davi e como seu pecado causou a tragédia que se instaurou até o fim de sua vida. Dificilmente pode ser casual a perda de quatro dos seus filhos (seu filho com Bate-Seba, II Sm. 12; Amon, 2 Sm. 13; Absalão, II Sm. 18 e Adonias I Rs. 2) após Davi ter decretado a restituição redobrada quando da acusação apresentada pelo profeta Natã a Davi.

A aliança e a unidade do reino estavam em perigo por consequência dos erros de Davi, mas a narrativa mostra que Deus, apesar dos erros de Davi, ainda o apoiava, mesmo que outras pessoas estivessem contra ele.

Os capítulos 21 a 24 focalizam a ação divina contra Davi por meio de fome e praga, mas ainda sim mostram como Deus o apoiou, deu-lhe vitória (II Sm. 22) e firmou sua aliança com ele (II Sm. 23:1-7).

Propósito e conteúdo

Apesar da ênfase histórica, o principal objetivo do livro de Samuel é teológico, isto é, ele não foi redigido para documentar a história propriamente dita, mas para mostrar como se deu a aliança com o Rei Davi e como a autoridade divina é obedecida ou desobedecida, bem como suas consequências.

A arca da aliança

 

A arca da aliança era o objeto religioso mais importante de Israel, pois representava a presença de Deus no meio do seu povo.

Os ídolos foram proibidos na religião israelita para evitar-se a manipulação da divindade pelas pessoas, entretanto a arca, por vezes, passou pelo mesmo problema. Lemos no relato de I Samuel 4 que os filhos de Eli tentaram usá-la para esta finalidade, pois, em tese, a divindade israelita não se deixaria capturar pelos inimigos. Javé, entretanto, não se deixa manipular, então a arca não foi capturada, mas deixou Israel (I Samuel 4:21).

A autonomia da arca, que operava somente por ordem de Javé, foi provada quando  ela retornou a Israel numa carroça sem condutor (I Samuel 6:10-16). A arca não deveria ser tratada apenas como uma relíquia, os episódios da praga entre os filisteus (I Samuel 5), das mortes em Bete-Semes por sua profanação (I Samuel 6:19-20) e o castigo de Uzá (II Samuel 6) mostram que Javé se manisfestava por meio da arca independentemente de qualquer ritual humano.

Por isso, sua instalação em Jerusalém, por ocasião da conquista de Davi, não foi um mero ritual, mas sim a aprovação divina do reinado de Davi.

O Salmo 78 dá detalhes sobre a teologia da arca.

Monarquia

 

A monarquia em Israel era uma premissa divina (Jz. 8:23; I Sm. 8:7). O rei deveria manter a justiça, o padrão ético do decálogo.

No período dos juízes Javé convocava um libertador sob semanda para executar este propósito, porém o povo considerava a monarquia mais durável, desta maneira não haveria a necessidade de esperar um próximo libertador.

Não havia nada de errado em pedir um rei, pois era propósito de Javé que isso acontecesse (Dt. 17:14-20). Porém, foi a espectativa do povo de achar que o rei teria sucesso onde Deus não tivera que recebeu sua reprovação de Javé.

Veja em I Samuel 8:20 a perspectiva do povo sobre o primeiro rei de Israel e compare com o relato apresentado em I Samuel 17. A conclusão é que o rei não lutou as batalhas pelo povo, mas o Senhor venceu a batalha pelas mãos de Davi. Inclusive a recompensa que Saul oferece para quem lutar prova sua indisposição à luta.

O verdadeiro rei entendia que quem luta e vence é o Senhor, portanto a monarquia não substituía o governo de Deus, mas representava sua própria atuação no meio do povo.

A aliança davídica

 

A aliança de Javé com Davi é um tema imporante no Antigo Testamento, e suas implicações o transcendem, por isso temos de analisar três aspectos dessa aliança:

a) A promessa de Javé a Davi – A promessa de Javé feia a Davi é semelhante à promessa feita a Abraão. As tabela abaixo demonstra isso:

Promessa Abraão Davi
Tornar o nome famoso Gn. 12:2 2 Sm. 7:9
Dar terra Gn. 12:7 2 Sm. 7:10
Segurança Gn 12:3 2 Sm. 7:10-11

De acordo com a tabela acima verificamos que a promessa de Javé a Davi é englobada pela promessa feita a Abraão, havendo uma espécie de subordinação daquela a esta.

A partir de 2 Sm. 7:12 temos uma distinção da promessa feita a Davi, quando menciona-se que o descendente de Davi seria seu sucessor, ainda que haja certa semelhança com a promessa de descendentes feita a Abraão. A descendência de Davi teria a oportunidade de ocupar o trono sucessivamente.

Embora a Bíblia mencione que esta aliança seria eterna, fica claro que, no caso da quebra desta aliança por parte do homem Deus também estaria desobrigado de cumprir sua parte. Para outros exemplos do uso do termo “para sempre” veja os seguintes textos: 1 Sm. 1:22; Dt. 15:17; Jr. 17:4. A promessa continha o aspecto da disciplina e não da rejeição como fora com Saul (2 Sm. 7:14). O texto de 2 Sm. 7:29 demonstra que Davi entendeu os termos da aliança quando pediu que Javé abençoasse sua sua descendência continuamente.

b) A natureza da aliança – O texto de 2 Samuel 7 não impõe condições à aliança davídica, mas observamos em outros textos que esta aliança estava sujeita à renovação de tempos em tempos, apresentando um caráter condicional: 1 Reis  2:4;  1 Reis 6:12; 1 Reis 9:4-5. Em 1 Reis 8:25 Salomão declara ter conhecimento da cláusula condicional da aliança feita a Davi. Este textos comprovam que o termo “para sempre” deve ser entendido como indefinido, isto é, por tempo indeterminado. Os registros bíblicos nos dão conta de que a promessa a Davi foi cumprida, mas, dali paa frente caberia a seu filho cumprir sua parte neste acordo.

c) Os impactos da aliança – A aliança foi anulda com a desobediência de Salomão? O texto de 1 Reis 11:32-39 trata sobre este assunto. Aqui vemos a bondade e graça de Deus, pois Salomão poderia ter seu reinado terminado, mas Javé, por amor a Davi, permitiu que Salomão fosse até o fim. Em 1 Reis 11:38 um acordo semelhante foi feito com Jeroboão, e aqui temos a reafirmação da promessa feita a Davi (ver 2 Crônicas 21:7 e Salmos 89) e o despontar da esperança messiânica, que traria a restauração da aliança davídica. Jeremias 33:14-22 é o texto no Antigo Testamento que tratará de forma mais clara sobre este tema: o messias que trará a renovação da aliança davídica. Durante todo este tempo não houve mais um rei davídico no trono de Israel, e o Novo Testamento reconheceu em Jesus o descendente de Davi que traria esta renovação, conforme Mateus deixa claro em seu evangelho. Ao satisfazer as condições que o Messias deveria ter, Jesus abre o caminho para o reino que será eterno.

Avaliação de Saul

Saul é conhecido em seu reinado, especialmente durante o destaque que o texto dá a Davi, como alguém invejoso e atormentado. Entretanto nem sempre el foi assim. A Bíblia o descreve antes de seu reinado como alguém tímido, sincero e agradável, ou seja, o tipo de pessoa que todos escolheriam para ser rei.

Em 1 Samuel 10:10 temos a informação de que o Espírito do Senhor o capacitou para reinar em Israel, contudo, em 1 Samuel 16:14 o Senhor retirou seu Espírito de Saul, que perdeu a capacidade divina de governar ao não tomar boas decisões e não preservar a justiça.

Porém, antes mesmo do Senhor ter tirado seu Espírito de Saul, podemos verificar que nem tudo estava bem com ele, pois, mesmo sendo sincero, sua espiritualidade era superficial. Ele mostrou isso quando desconsiderou a função de Samuel (1 Samuel 9:10-15). Temos este veredito também no episódio que ele oferece o sacrifício antes da batalha (13:8-12), e no qual deixa de executar o rei Agague (15:13-35).

Quando, ao final de sua vida, Saul recorre à medium de En-Dor (1 Samuel 28), fica provado que ele nunca entendeu alguns princípios fundamentais da teologia hebraica. Provavelmente Saul jamais entendeu que Javé era difierente dos deuses cananeus, que se deixavam manipular pelo sistema religioso. Ele não era diferente em nada de um israelita comum desta época, embora o rei, como representante de Javé ao povo, deveria ser diferente.

Avaliação de Davi

A tendência natural ao lermos os relatos bíblicos é desprezar a Saul e, em consequência desta reprovação, aprovar incondicionalmente a Davi. É certo que a percepção teológica de Davi era muito mais aguçada que a de Saul, contudo devemos saber que Davi cometeu erros gravíssimos.

Davi deixava-se levar pelo momento, sem refletir em suas consequências. A tabela abaixo ilustra bem este fato.

Pecado Consequência Referência
Mentira Morte de inocentes 1 Samuel 21-22
Raiva Risco de assumir o trono 1 Samuel 25
Conspiração internacional Morte de civis 1 Samuel 27
Cobiça Adultério e  Assassinato 2 Samuel 11
Negligência paterna Desunião familiar 2 Samuel 13 e 14
Orgulho Devastação da nação 2 Samuel 24

A despeito de todos esses erros, a Bíblia mostra o quanto Davi amava a Deus e fora leal com ele. A Bíblia mostra seu profundo arrependimento e o quanto ele prezava as leis de Javé. Por isso a opinião equilibrada do escritor dos livros de Samuel sobre Davi é prova de que estamos todos sujeitos ao pecado e à falta de bom senso, porém a devoção e o amor de Davi a Javé e sua Lei eram o seu diferencial.

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009 – Introdução ao Livro de Rute – Nem tudo está perdido

Introdução ao Livro de Rute – Nem tudo está perdido

 

A história narrada no livro de Rute se passa na época dos juízes, que, como estudamos anteriormente, foi uma época de apostasia e descaso com Javé e sua aliança. O livro de Rute apresenta o caminho oposto do livro de juízes, pois mostra a lealdade uma moça moabita para com Noemi, sua sogra israelita, e seu Deus.

Os moabitas eram descendentes de Ló, sobrinho de Abraão (Gn. 19:37). Eles ocupavam o território a leste do Mar Morto, e, na época da peregrinação dos hebreus no deserto, eles demonstraram agressividade a Moisés e ao povo (Nm. 21 – 25).

Apesar de Rute constar logo após o livro de juízes em nosso cânon, na Bíblia hebraica este livro situa-se na seção dos Escritos, portanto, não é considerado parte da história deuteronomista.

O livro começa dando a entender que o período dos juízes passara, ou seja, as narrativas se passam no período dos juízes, porém foram escritas durante a monarquia, pois a genealogia, no fim do livro, sugere que os leitores conheciam o rei Davi.

Embora as narrativas nos levem ao tempo dos juízes, não há como ter certeza se  a história de Rute, a moabita, se encaixa neste período. A narrativa em Juízes 3, nos diz que Eúde expulsara os  moabitas de Israel, portanto a história de Rute não cabe nesta época. Logo, se a genealogia está completa, os acontecimentos podem estar situados na época de Jefté, no século XII a.C.

A riqueza de diálogos e a construção dos personagens, levaram alguns estudiosos a classificar o livro de Rute como um conto, o que não elimina o caráter e a precisão histórica do livro.

Estrutura de Rute

 

O livro de Rute está estruturado como um espelho, ou seja, os elementos finais da história espelham os elementos iniciais, trazendo-lhes uma solução.

O livro pode ser dividido da seguinte maneira:

  1. Migração e tragédia da família de Elimeleque – 1:1:5
  2. O retorno para Belém – 1:6-22
  3. Rute encontra Boaz – 2
  4. O plano de Noemi – 3
  5. Casamento de Rute e Boaz – 4:1-17
  6. Genealogia de Davi

De acordo com a estrutura espelho do livro, o capítulo 1 espelha o 4, pois no capítulo 1 o desespero de Noemi se torna em alegria por um filho no capítulo 4. Os capítulos 2 e 3 são correspondentes em virtude dos diálogos entre Rute e Noemi e entre Rute e Boaz. O desfecho no capítulo 4, ao espelhar o capítulo 1, só foi possível graças aos desfechos dos diálogos dos capítulos intermediários.

Propósito e conteúdo

O livro de Rute menciona os seguintes conceitos:

  • A Fidelidade e lealdade de Deus
  • A lealdade em um ambiente de apostasia
  • O legado dos ancestrais do rei Davi
  • O Conceito do Resgatador

O período dos juízes, sem sombra de dúvida, representou um momento muito negativo no que se refere à fidelidade à aliança por parte do povo de Israel. O livro de Rute mostra o contraste entre os grandes heróis do período dos juízes com uma simples família israelita. Foi justamente de uma dessas famílias em apuros que a fé em Javé foi preservada, e de onde veio o maior dos reis de Israel: Davi.

Javé preservara esta família para manter seu nome em Israel, para mostrar sua lealdade e fidelidade à aliança realizada séculos antes.

O resgatador

 

Se um homem morresse sem deixar filhos, seu irmão deveia se casar com a viúva e era obrigado a gerar um filho em nome do seu falecido irmão. Este sistema é chamado de levirato, e é descrito com detalhes em Deuteronômio 25:5-10. Este sistema preservaria as famílias, que não teriam um fim repentino.

O costume do levirato também incluía o direito ao resgate de terras, conforme prescrito em Levítico 25:25-31; 47-55. A terra vendida a alguém poderia ser resgatada, comprada de volta por alguém da família. Estes costumes tinham o propósito de preservar as famílias e a terra, duas questões centrais da aliança.

O resgatador era um intermediário para readiquirir as bênçãos em risco e serve de exemplo para a Graça de Deus. O Novo Testamento aplica este conceito à ação de Cristo para com a Igreja.

Hesed

 

O termo hesed se refere à lealdade de Javé com sua aliança. Algumas traduções da Bíblia usam misericórdia, outras preferem a palavra bondade para designar a hesed de Deus.

No livro de Rute, a hesed de Javé é demonstrada tanto vertical, quanto horizontalmente. No plano horizontal, o compromisso de Rute com sua sogra em 1:16-17 é um exemplo da bondade e misericórida. É justamente esta característica que chama a atenção de Boaz em 2:12 por Rute, onde a hesed que ele também demonstra por Rute é louvada em 2:20.

No plano vertical a hesed de Javé é descrita em 1:8-9, que levará ao casamento de Boaz e Rute no capítulo 4, onde a misericórdia de Javé se manifesta no resgatador de Noemi.

A conclusão do livro é que a misericórdia de Javé se manifesta na misericórdia de uns pelos outros, que culmina em seu louvor e adoração, contrastando com o livro de Juízes pela falta de lealdade à aliança.

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