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Compartilhando a fé a partir da doutrina da Criação – Conclusão

Analisando toda a história, tudo o que já foi escrito sobre a revelação natural de Deus, fica claro que não podemos conhecer plenamente a Deus apenas por meio da natureza.

O verdadeiro conhecimento de Deus só pode vir através de sua revelação pessoal a nós, por meio do seu Espírito Santo que nos convence do pecado, da justiça e do juízo.

Contudo, Deus em sua misericórdia, nos deixou algumas “pistas” de sua existência na natureza, e também dentro de nós. O conhecimento natural de Deus se realiza a partir do momento que cria um ponto de contato, uma ponte, para que as pessoas percebam que Deus existe, como um ser pessoal, criador e sustentador de todas as coisas.

Compartilhando a fé a partir da doutrina da Criação – Parte IV

Antes de prosseguimos, devemos estabelecer alguns conceitos sobre o que são pontos de contato.

Ponto de contato é o ponto de partida, dado por Deus, onde podemos construir “pontes” entre os indivíduos e o evangelho. Ou seja, não cabe a nós provarmos nada, pois Deus mesmo é quem realiza todas as coisas. Devemos apenas estabelecer uma ligação entre estes pontos que Deus fundamentou e os corações que ainda não conhecem sua graça e seu amor.

A criação, por Deus, é um destes pontos de contato. Agora que já definimos a criação a partir do nada – ex nihilo, que Ele deve ser adorado, ao invés de sua criação, e que ainda, Ele é o governador e sustentador de todas as coisas, podemos usar a criação como um ponto de contato para compartilhar a fé cristã.

O primeiro grande ponto que lemos na Bíblia é que Deus criou todas as coisas. Logo, seria esperado que toda a criação carregasse um pouco da marca de Deus.

Leibniz, em seu Discurso de Metafísica, diz que toda pessoa ou substância é como um pequeno mundo, que expressa o grande. O mesmo se pode dizer da ação extraordinária de Deus sobre esta substância, não deixa de ser miraculosa, pois está compreendida na ordem geral do universo. O universo está multiplicado de certo modo por tantas vezes quantas substâncias existem e a glória de Deus está redobrada por outras tantas representações diferentes de sua obra. Leibniz acreditava que as obras de Deus carregavam um pouco de sua própria essência.

Kant parecia creditar à intuição todo o conhecimento. Para ele, a intuição dependia da presença do objeto. Podemos dizer que toda a criação de Deus carrega seu testemunho, logo teríamos a presença do objeto em nossa intuição. Neste caso temos uma intuição empírica, pois segundo Kant, só podemos saber o que está contido no objeto se o mesmo estiver presente.

Por meio da graça de Deus, a criação aponta para seu Criador. Foi nos deixado uma memória intrínseca de Deus. Embora exista uma quebra entre o ideal, aquilo que Deus tinha em mente, e o empírico – real, a memória deste ligamento permanece viva.

Agostinho diz que Deus pode estar em todas as partes, sem que nada possa contê-lo realmente,  e que nosso coração está inquieto enquanto não encontrar em Deus o descanso.

Esta é a lembrança que permanece em nós, que vem da criação de todas as coisas, a qual perdemos parcialmente por causa do pecado. E é justamente neste ponto onde ouvimos muitos testemunhos sobre o “vazio interior” que algumas pessoas relatam em sua conversão.

A criação é como uma placa de sinalização, que não aponta para si mesma, mas para uma direção específica, no caso, para Deus, o Criador. Porém deve-se tomar cuidado para não interpretar a natureza, criada por Deus, como tudo o que dele pode ser conhecido.

A Teologia Natural, se entendida incorretamente, pode representar uma tentativa da busca do homem por Deus. E neste caso haveria a inversão do que a Bíblia nos transmite, que é Deus quem se revela por meio da natureza a nós.

Karl Barth, em sua Epístola aos Romanos, diz que é apenas Deus, por Ele mesmo que é a resposta de sua revelação. Nosso saber está muito longe e distante do que é possível conhecer de Deus, por nossa própria iniciativa.

Não é possível, apenas olhando a natureza, conhecer a Deus plenamente, esta idéia é irreal e não condiz com que as Escrituras nos ensinam. O cristianismo não é a busca do homem por Deus, e sim, a busca de Deus pelo homem.

Compartilhando a fé a partir da doutrina da Criação – Parte III

A primeira questão importante a ser tratada é a distinção entre Criador e criatura. Desde a antiguidade, tem havido a tentação de adorar as coisas criadas, em detrimento de seu Criador. Paulo, em sua carta aos romanos, trata deste assunto kologo no primeiro capítulo. Paulo nos diz que Deus criou o mundo, e, portanto seus atributos estão visíveis e os homens são tolos por adorarem as coisas criadas, ao invés de Deus, o Criador.

Agostinho, em suas confissões, usa este argumento contra os maniqueístas. Diz Agostinho, que eles, os maniqueístas não conheceram o Verbo, Jesus, pela qual todas as coisas foram feitas. Apesar de dizerem verdades sobre as criaturas, não procuraram o Autor da criação. E mesmo que o tivessem encontrado, como Deus, não o honraram como Deus, nem lhe deram graças, e ainda, mudaram a verdade de Deus em mentira, e serviram à criatura, ao invés do Criador.

Calvino, em suas Institutas, diz que os homens em seus louvores à natureza, suprimem o nome de Deus tanto quanto é possível. Também chama de profano, e destituído de consciência, aqueles que pensam que o universo é animado por uma inspiração secreta. Nos diz ainda que o universo foi criado para a glória de Deus, que é o seu Criador.

Mesmo crendo na natureza inerentemente pecaminosa da humanidade, Calvino não desqualifica a criação de Deus. Ou seja, mesmo destruída pelo pecado, a criação continua sendo para glória dele, e por isso deve ser valorizada.

Outra questão importante a ser considerada na doutrina da criação é a autoridade de Deus sobre todas as coisas criadas. Então, desta forma, os seres humanos são considerados parte desta criação, e sujeitos ao governo de Deus, com funções especiais. Com esta idéia bem clara, temos que o homem não é, e nem pode ser proprietário de nada; porém, está posto como um administrador, representando Deus.

Calvino, nesta questão, nos diz que Deus além de ter criado todas as coisas, é também levado a preservá-las, e que podemos achar na bondade de Deus a causa desta criação e preservação. Os louvores pertencem a Deus e ocorrem do testemunho da própria natureza.

Ainda sobre o governo e sustentação do mundo por Deus, diz-nos a Bíblia que Cristo sustenta todas as coisas pelo poder de sua palavra. Esta não é uma imagem de Cristo, como Atlas, que carregava o mundo em seus ombros; mas, Cristo conduz o mundo através dos tempos. Há um destino para a criação, e o propósito de Cristo é levar o mundo a este ponto.

Compartilhando a fé a partir da doutrina da Criação – Parte II

Toda a narrativa sobre a criação do mundo, por Deus, se encontra no Antigo Testamento.

Nos onze primeiros capítulos do livro de Gênesis, o palco de toda a história humana é preparado. Eles são a chave para entendermos todo o restante da Bíblia. A razão de o homem ter pecado, a necessidade de redenção que o homem tem, e a maneira que Deus conduziu toda a história, até chegar em Jesus; e daí para adiante nossa esperança de vida eterna.

Somos informados que Deus é o Criador e Sustentador de todo o universo. Porém, há uma importante distinção a ser feita aqui. A natureza criada por Deus não é divina, ou seja, os corpos celestes e os elementos de nosso planeta não devem ser adorados como deuses.  No mundo antigo era muito comum o fato das pessoas adorarem o sol, a lua e as estrelas.  O Antigo Testamento destaca o fato de que estes elementos são subordinados a Deus e não possuem uma natureza intrinsecamente divina.

Outra distinção importante que o Antigo Testamento faz é que tudo foi criado ex nihilo (“a partir do nada”). Quando houve a expansão do cristianismo, nos séculos I e II, houve o choque com o pensamento grego sobre a criação do mundo. Platão, em um dos seus diálogos (Timeu), apresenta a idéia de que o mundo foi criado, porém a partir de alguma matéria preexistente. No caso, Platão apresenta a idéia de um artífice, que ele chamou de demiurgo, que deu forma a uma matéria prima (chamada causa errante) tomada do modelo do mundo das idéias. Este ser divino produziu as obras da natureza e as imagens dessas obras.

Esta idéia foi posteriormente incorporada nos escritos dos gnósticos e também em alguns teólogos cristãos, como Justino Mártir. Ele, antes de se converter à fé cristã, foi um seguidor de Platão, e abordou a concepção da preexistência da matéria, que teria sido transformada no ato da criação.

Porém, algum tempo depois, em virtude da associação deste pensamento com o gnosticismo, e da leitura mais profunda das Escrituras, muitos dos principais autores cristãos dos séculos I e II defenderam a idéia da criação de Deus a partir do nada. Segundo eles, não havia nenhum tipo de matéria preexistente.

Irineu, um destes autores, refuta esta idéia em seu livro “Contra as Heresias – Volume II”. Diz-nos Irineu, que havia aqueles que não acreditavam que Deus em seu prazer e vontade própria criou todas as coisas do nada, daquilo que antes não existia. E chama de hereges os que assim crêem.

Tertuliano, no capítulo XVII de sua Obra “Apologia”, destaca que o poder da palavra de Deus e sua sabedoria ordenadora criaram todas as matérias do nada, para a sua glória. Segundo Tertuliano, a existência de todas as coisas dependia de Deus e era mantida por Deus, contrastando com a “teologia” aristotélica de que o universo não foi criado, pois sempre foi preexistente; e contrastando também com a idéia de imobilidade do “primeiro motor”, o ato-puro.

Porém, nem todos os teólogos da antiguidade adotaram esta posição sobre a doutrina da criação. Orígenes, um dos maiores escritores cristãos do século II, continuou a defender a teoria platônica da matéria preexistente.

O fato é que ao final do século IV, todos os grandes teólogos já haviam abandonado a idéia platônica da criação por meio da matéria preexistente, inclusive as abordadas por Orígenes. O Credo de Niceia, realizado em 325, começava abordando a criação como obra de Deus, tanto as coisas visíveis como as invisíveis, deixando bem clara a posição da Igreja quanto a esta doutrina.

Compartilhando a fé a partir da doutrina da Criação – Parte I

Sabemos que, quem realmente convence de todo pecado, justiça e juízo é o Espírito Santo. Não há a menor pretensão de querer convencer as pessoas sobre a fé cristã, do ponto de vista puramente humano; porém, como o apóstolo Pedro ensina, temos de estar preparados para responder com mansidão e temor a razão da esperança que há em nós.

A fé não é regida apenas por sentimentos, mas também por crenças e fatos. A apologia cuida para que esta crença tenha uma base intelectual sólida. Crer em Jesus não significa apenas amá-lo ou adorá-lo, mas também saber certas coisas bem definidas a seu respeito, e estas coisas justificam e fundamentam o amor e a adoração a Ele.

A Bíblia nos fornece o panorama do que Deus traçou para a raça humana. O fim de todas as eras já está escrito, então se não considerarmos o relato da criação de Deus algo verídico, onde o restante da história estaria fundado? Lemos que o Cordeiro de Deus já havia sido morto antes da fundação do mundo. Desta forma, tudo o que foi criado serve de pano de fundo para a vinda do Cordeiro, para nossa redenção, e em última análise, para demonstração da glória de Deus. Logo, a criação serve como fundamento para criarmos um ponto de contato com aqueles que ainda não possuem a fé cristã.

Este trabalho não pretende ser um tratado exaustivo sobre apologética, nem tampouco uma tese sobre o criacionismo. O objetivo é usar o conhecimento que a Bíblia nos dá, aliado ao conhecimento filosófico histórico para demonstrar, com a criação, que a fé em Deus, como Criador e Sustentador de todas as coisas, não precisa ser considerada irracional ou ilógica.